OS CEM PRIMEIROS ANOS DA CÂMARA MUNICIPAL

Arthur de Sá Earp Neto

O tema se situa nos cem primeiros anos da Câmara Municipal de Petrópolis.

É tarefa árdua e ingrata relatar acontecimentos que abrangem período assim tão vasto e tão recuado de nossa história, e deles tirar a exata significação, reavivando a imagem, porventura esmaecida, dos seus grandes protagonistas.

Quando, em 1943, me foi conferida pelo então Prefeito Municipal, a honra de produzir a oração oficial com que o Governo, entre outras cerimônias, comemorou o centenário da fundação de Petrópolis, escolhi, como título – “Petrópolis, Capital do Estado” – uma quadra da nossa história, aliás a de maior projeção e a de maior brilho, e em que foi figura central um que veio a ser dos grandes presidentes da nossa Câmara.

E, em 1946, nos “Cem Primeiros Anos da Paróquia São Pedro de Alcântara”, em conferência de abertura de uma série de outras com que se celebrou o acontecimento, adotei por critério, dada a natureza do assunto em que as realizações obedecem um mesmo e imutável sentimento, o de historiar tão longo período, fixando, em esquema cronológico, a figura e atuação de todos que, sem exceção, refletindo a essência sobrenatural da sua investidura, santificaram o seu vicariato.

O plano, hoje, há de ser outro, pelas asperezas do tema, a extensão do assunto e as circunstâncias de tempo que inevitavelmente me cerceiam a sua plena explanação.

Assim, fixando os pontos mais acentuados de uma constante história que tem sido o apanágio dos órgãos dirigentes do Município e dos seus homens públicos, destacarei, apenas, para dar desempenho, ainda que incolor, ao que me foi imposto – três a quatro fases centrais da vida de nossa Câmara, durante as quais as suas altas virtudes cívicas, na sua força indomável, gravaram na História, com transparente altivez, os brios, a têmpera, o talento e o entranhado amor que estremecem por esta terra, e sua gente, e, com raríssimas exceções, os seus homens de governo.

Essa constante, que não sofreu hiatos nem tibiezas durante esses cem anos, é o senso inabalável de independência com que a Câmara Municipal de Petrópolis reivindicou sempre e defendeu, em lutas as mais ásperas, os direitos sagrados do Município de livremente regular e de dispor sobre assuntos do seu exclusivo e peculiar interesse.

Falou-lhe sempre, nas inspirações da sua contínua atuação o alto sentido da autonomia municipal, vida e segredo das instituições democráticas.

Esta liberdade, signo da dignidade dos povos, se inscreveu no pórtico da federação, como brasão insubstituível da sua autenticidade.

Pôr-se em holocausto por ela, quando a prepotência a sufoca e a ambição a espezinha, é servir à nacionalidade, berço estremecido das nossas idéias, e transfundir, infrene, a nossa alma na vida universal dos povos.

Sem ela, parte construtiva do organismo democrático, mutila-se o corpo das instituições políticas nacionais, e se lhe tira o plasma e sopro vital das suas inspirações.

Sobre ela, a caudal imensa do gênio de Rui verteu a abundância lustral de sua consagração:

“Não há corpo sem células. Não há Estado sem municipalidade. Não pode existir matéria vivente sem vida orgânica. Não se pode imaginar existência de nação, existência de povo constituído, existência de Estado, sem vida municipal. Vida que não é própria, vida que seja de empréstimo, vida que não for livre, não é vida. Viver do alheio, viver por outrem, viver sujeito à ação estranha, não se chama viver, senão fermentar e apodrecer”. (Comentários à Constituição Federal Brasileira – Vol. V, p. 66).

O “home rule” municipal é a tradição secular das Américas. E, nos Estados Unidos, no pacto ainda infuso de Mayflower (Waldemar Ferreira – Hist. do Dir. Const. Bras. p. 21) e no desabrochar da Constituição federalista do séc. XVIII, foi buscar suas raízes na Inglaterra.

De Black, o grande publicista, em seu famoso Handbook of American Constitutional Law (p. 504), encontra-se, fundamental, a seguinte proclamação:

“The principle of local self-government is regarded as fundamental in American political institutions. It is not, however, an American invention, but is tradition in England, and justly regarded as one of the most valuable safeguards against tyrany and oppression”.

Nele, isto é, na seiva autonomista das comunas ou municípios, encontraram os reis da Inglaterra as armas com que aniquilaram o poder feudal absorvente e a base da sua autoridade no século XVI (Paulino Jacques – Curso de Dir. Constitucional, p 157).

Já nessa mesma luta contra o feudalismo e seus barões, tendo por pioneira Mans, a grande cidade francesa, fenderam-se os alicerces daquele regime autoritário, dominador e absorvente, proclamando-se livres nos séculos XI e XII as cidades da França, da Alemanha, da Holanda e da Itália, entre muitas outras, Bourges, Tours, Bremen, Hamburgo, Dantzig, Utrecht, Amsterdã, Florença, Veneza, Verona (idem, idem, p. 157).

As nossas Câmaras Municipais – indo buscar suas raízes mais profundas nos “concelhos de homens bons” de Portugal e nos “ajuntamentos” da velha Espanha, e mais profundamente através deles, nas “curias romanas” e na Lex Júlia Municipalis de Júlio César e no sistema de Sila, nos séculos 40 a 80 a.c. – não desmentiram o culto à independência da vida local, que é a força das nacionalidades, a sua base e fundamento. Exerceram, por isso mesmo, decisiva influência em quase todos os acontecimentos da História Brasileira.

A Constituição Imperial de 1824 nasceu da aprovação dos municípios, e portanto, através deles, projetou-se no Mundo como organismo político independente.

Em 1710 era o grito da liberdade com a República, pela voz potente de Bernardo Vieira de Melo na Câmara de Olinda. Em 1822, a intimação de José Clemente Pereira, no Senado da Câmara do Rio de Janeiro, para o “Fico” histórico de D. Pedro, em uníssono com os das Câmaras de São Paulo e Vila Rica. No mesmo ano, se outorga a D. Pedro o título de Defensor Perpétuo de Brasil e a representação para a convocação da Constituinte pela mesma Câmara do Rio de Janeiro.

Em 1824, a Confederação republicana de Frei Caneca e de Pais de Andrade, na Câmara de Olinda.

Em 1835 a 1845, na de Jaguarão, a República Rio Grandense de Bento Gonçalves e Domingos de Almeida.

Em 1870, o famoso Manifesto Republicano, na de Itu.

Em 1888, a representação da de S. Borge para a alteração na sucessão do trono.

Em 1889, é a proclamação do vereador José do Patrocínio às classes armadas, no Conselho Municipal do Rio de Janeiro, para a implantação da República, na grande e histórica indecisão frente à queda do gabinete Ouro Preto. (P. Jacques – op.cit., p. 158 e Oliveira e T. Silva, “O Município no Estado Novo”, p. VIII).

Daí, desta atuação constante dos municípios brasileiros na vida nacional, a elevação do princípio da autonomia municipal a um dos cânones constitucionais da Nação, um recrescendo invariável e constante, com fugazes esmaecimentos, na Constituição do Império (art. 167), na Republicana de 1891 (art. 68), na de 1934 (art. 17) e na de 1946 (art. 28).

É que, como observa ilustre escritor (Oliveira e Silva, op. cit., p. VIII), o Brasil nasceu no arraial, nos engenhos de açúcar, nas fazendas de café. Pelo seu regime de trabalho concentrado e conseqüente integração local e superestimação dos laços comuns assim localizados, a “casa grande é a miniatura dos Municípios”, que, assim com vida própria, se constituiu no núcleo celular do colosso nacional.

Taine, o grande pensador, exímio perscritor dos fenômenos sociais e insigne escritor, explica, em página famosa e admirável, o caráter pujante e natural da sociedade comunal, a que ele dá a natureza de familial, “sindicato privado”, de que o Município é a expressão mais alta. E, em passagem que vale ser lida, tal a força de sua penetração na realidade da vida municipal, exclama estremecido de amor e de civismo:

“Para que a sociedade municipal seja vivaz e vivedoira, cumpriria que tivesse no coração e no espírito este pensamento que já não tem: “Estejamos juntos na mesma barca; a barca é nossa; nós é que a tripulamos! Aqui estamos todos, para a menear nós mesmos, por nossas mãos, cada qual no seu lugar, no seu posto, com seu quinhão, pequeno ou grande, na manobra”. (apud Rui – Cons. à Const. Federal Brasileira, Vol.V, p. 112).

No Município, pois, a vida da Nação.

Não é à toa que, quando se golpeia o sentido das liberdades públicas, é ao Município que se fere e atinge. Nas ditaduras e nos regimes totalitários, não pode ele viver à plena expansão das suas virtualidades. Por isso é que, implantada a ditadura no Brasil, em quadra de que felizmente já desapareceram os vestígios, a Constituição de 1937 proscreveu a autonomia municipal com a nomeação do seu executivo pelo Governo dos Estados, golpeando-lhe a vida local independente. Mas, fala o Município tão alto na vida brasileira que aquela mesma Carta, de cínica e efêmera vigência, baseou toda a representação eletiva no País no voto municipal.

Por isso mesmo que a autonomia municipal se constitui na vida da Nação e nos reclamos invencíveis da nossa gente, é que, mesmo no regime centralizador do Império, todas as tentativas de reforma ou todas as reformas da organização municipal respeitaram a essência do grande princípio.

Depois da Regência, desde 1856, a História aponta a elaboração naquele sentido, no projeto Carneiro Borges de 1856, na Câmara dos Deputados. No Senado, no projeto de Marquês de Olinda em 1862. Ligeiro recuo no do Ministro Paulino de Souza em 1869, para se expandir em plena franquia eletiva e administrativa no projeto Bezerra de Menezes de 1882 e, por fim, na “Reforma Administrativa e Municipal”, monografia do Senador Afonso Celso e, a seguir, na atuação de Rui Barbosa na reforma administrativa em que se empenhava, em 1889, o Gabinete do Visconde de Ouro Preto.

É que, mesmo para um dos espíritos mais conservadores daquela época, o Marquês de São Vicente:

“É justo e conveniente que essa associação se governe como melhor julgar, em tudo quanto essa liberdade não ofender os outros municípios, ou os interesses do Estado…”

“Quando as atribuições municipais são insignificantes, quando as Câmaras não podem prestar bons serviços – continua o eminente estadista – os cidadãos mais notáveis fogem de onerar-se com o cargo de Vereador e a instituição cai em desprezo e nulidade…” (Pimenta Bueno – Dir. Pub. Bras. p. 449).

E base da autonomia municipal é o princípio da eletividade, direta ou indireta, dos dois órgãos nos quais se repartem as funções locais de Governo – o legislativo e o executivo.

Essa exigência jamais sofreu contestação séria. A investidura, por nomeação, de qualquer de ambos importa em intervenção de terceiros em assuntos que lhe são estranhos.

Laband, no seu clássico Tratado (Dir. Pub. do Império Alemão – 1º Vol.) afirma que a autonomia “designa sempre um poder legislativo”, isto é, um poder que elabora “as regras de direitos obrigatórios”.

Mas a execução delas, “função executiva”, é-lhe tão bem indelegável, pena de se as desnaturar.

“Autonomia significa, – afirmou-o o Ministro Sebastião de Lacerda (apud Araújo Castro, p. 183) – o governo exercido sem necessidade de outro poder”.

E agora é Rui:

“Sem livre escolha dos Prefeitos e das Câmaras, não há autonomia”. (idem, p. 182).

E isso vale para a Constituinte de 1987-1988, quando se publica esta conferência.

Esse é o pensamento generalizado entre os escritores de direito constitucional e da ciência política.

A autonomia nada mais é do que, uma técnica jurídica moderna, “senão a posse de uma competência própria”. (F. Campos – Dir Constitucional, p. 264, ed. 1942).

O sentido assim amplo dessa competência de governo autônomo é parte integrante deste nosso povo petropolitano.

E desde os primórdios de sua afirmação, fez-se-lhe esta Câmara, em emocionantes e históricas vigílias, eco altivo e altaneiro.

Era Petrópolis mera freguesia em 1856, e Amaro Emílio da Veiga já apresentava à Assembléia Provincial em 6 de agosto o projeto 11 – T, elevando-a à categoria de cidade e, portanto, de entidade política autônoma.

Possuía a freguesia, àquela época, 5 mil almas, um palácio imperial, 940 casas, importantes colégios. E a ânsia de sua libertação do município de Estrela, do qual seria sede por projeto anterior 14 – P de 1855, era irrefreável. Atestaram-na, então, na Assembléia, os Deputados Joaquim Manuel de Macedo e Angelo Tomás do Amaral, ao se pronunciarem, no parecer, sobre o projeto, declarando que, dadas aquelas condições, o governo provincial:

“tem reconhecido conveniente dar à povoação de Petrópolis categoria que corresponda à sua importância, riqueza e progresso.”

O projeto aprovado é vetado duas vezes pelos Presidentes Luís Antônio Barbosa e Antônio Nicolau Tolentino, influindo para os vetos a consideração de se procurar compensar com Suruí, pertencente a Magé, o Município Estrela pela perda da freguesia de Petrópolis. (“Curso de Informação sobre Petrópolis no Museu Imperial, 1957, Professor Gerardo Brito Raposo da Câmara”).

A duras penas consegue Emílio da Veiga, à falta de sanção à lei assim votada por mais de uma vez, fazê-la vitoriosa com a sua promulgação pela Assembléia, tomando o nº 961, de 20 de setembro de 1857, que é a carta de alforria cívica de nossa terra.

Influi poderosamente, de modo indireto – há razões para assim julgar-se o Visconde de Mauá – embora se diga, com razões algo procedentes, tenha tido certas resistências do Imperador “por motivos de insuficiência de rendas” da então Freguesia.

O fato é que todos os jornais da época relatam não só as dificuldades daquela vitória como a firmeza das reivindicações autonomistas do povo petropolitano. Bem o dizem as festas que à posse da 1ª Câmara de Petrópolis, em 17 de junho de 1859, aqui se realizaram para comemorar o acontecimento.

“Reinou em todos os peitos o júbilo e todos os lábios bendiziam aqueles que trabalharam incansáveis pela independência de um lugar que julgavam estar condenado a ser eternamente sujeito a outro.” (O Mercantil, 18.06.1859).

Tais acontecimentos estão, já agora, pela recordação que deles vêm fazendo vários ilustres historiadores de Petrópolis, na memória de todos nós.

Não vale, pois, rememorá-los neste instante.

O fato é que a nossa autonomia foi conquistada. Não nos foi conferida sem luta.

Já na sua implantação firma-se claro o sentido da independência dos nossos cidadãos.

Este é o primeiro quadro que vos quero fixar.

Passa-se a época do Império, durante a qual, na forma constitucional do council system, isto é, com a confusão na Câmara das funções legislativas e executivas, governa ela o Município exercendo as funções executivas o seu presidente eleito e as legislativas os demais vereadores ou conselheiros.

A atuação da Câmara naquele vasto período de 30 anos pautou-se toda, com modelar compreensão de suas funções. E, se não teve fases de grande brilho, deve-se isso ao forte poder de atuação do regime centrípeto do Império, unitário, centralizador. A esses fatores se deve acrescentar a influência direta do velho Imperador e da sua autoridade respeitável, dele, de cujas terras nasceu, pelas mãos de Koeler, a mimosa cidade.

E Petrópolis se agigantou conciliando, com inspirada sabedoria, os pruridos de sua independência com a gratidão filial ao augusto Monarca.

Em todo caso, foi modelar, e por sua honestidade e desapego aos cargos públicos, a atuação desta Câmara, naqueles 30 anos de regime monárquico.

Estoura em 1889 a revolta armada e instaura-se a República.

Na sua bandeira, inflada pela Liberdade, se inscreve, como dogma fundamental, a autonomia municipal sem restrições.

Adquirida pelas antigas Províncias, assim transformadas em Estados, a quase soberania que antes não possuíam, – esculpe-se na Carta constitucional da República – ao contrário dos Estados Unidos da América de Norte que à federação chegou por processo inverso – a obrigação para os Estados de se organizarem, respeitando a autonomia municipal nos negócios do interesse peculiar dos Municípios.

Petrópolis elege, sob tal signo, a sua 1ª Câmara republicana, tendo na presidência como o 1º governador do Município, o Dr. Hermogênio Pereira da Silva, que lhe havia dirigido a Intendência no período transitório de 1890 a 1892, – figura de relevo excepcional, republicano de seiva rica e forte – e que é hoje excelso patrono desta Casa, vulto que havia de viver os grandes períodos de glória para Petrópolis e a cuja sombra ela se colocou nos seus primeiros vinte anos de vida republicana.

Na Constituição fluminense de 1892 se fixa o caráter autônomo da vida municipal. Da lavra de Hermogênio, Presidente desta Casa, se promulga a 1ª Lei de Organização Municipal no Brasil, lei admirável e completa, no parecer unânime dos homens de Estado. Dos elogios se faz eco então o Deputado Alberto Torres apresentando-a, sob a sua responsabilidade, à consideração da Assembléia do Estado.

E Petrópolis se desenvolve. E para cá se transfere, dada a revolta de Esquadra, a Capital do Estado.

A Câmara, pelo seu Presidente, dá iluminação pública e particular à cidade, aprova e começa a executar rede de esgoto que até hoje existe, abre ruas, constrói pontes, funda colégios, assegura assistência hospitalar permanente à cidade, embeleza a “urbs”, impõe-se pela moralidade administrativa e pelo prestígio dos seus governantes, dá ao Brasil o Código de Posturas mais completo que jamais se elaborou em todos os seus Estados – recusando, pela palavra de seu grande Presidente, em nome da dignidade e da autonomia municipal, o auxílio que o Governo do Estado lhe oferecera para preparar a cidade a receber a sede estadual do Governo.

E assim caminha a Câmara, quando, em conseqüência da retirada da Capital de nossa Cidade, por deliberação da Assembléia de 1902, após lutas memoráveis em que se alteou outro dos seus grandes presidentes e após eleições federais em que este mesmo, Arthur de Sá Earp, se viu eleito à Câmara Federal – foi o seu edifício invadido em 18 de fevereiro de 1903, por populares a soldo e sob a direção do então Presidente do Estado que aqui havia perdido as eleições.

Todas as suas ricas instalações foram quebradas, danificados os arquivos e morto a pauladas um pobre funcionário.

A população se revolta. O Governo Estadual força a intervenção no Município.

Hermogênio e Sá Earp a ela se opõem com todas as forças das suas individualidades. O perigo é contornado.

Sobreveio naquele ano, adrede preparada, a reforma constitucional de 18 de setembro, instituindo a faculdade de nomeação pelo presidente estadual de prefeitos para as Municipalidades que têm contratos de serviço público garantidos pelo Estado.

Reclamam contra a reforma, Campos e municípios de Friburgo e Japuí.

A Câmara, sob a orientação firme de Hermogênio, seu presidente, representa em julho ao Governo Federal sobre a necessidade de alteração constitucional no sentido da mais ampla garantia da autonomia local e reforma, pela deliberação nº 299, em 18 de novembro daquele mesmo ano, o contrato com o Banco Construtor para serviços públicos de água e de iluminação pública, fazendo desaparecer a fiança do Estado, que era o pretexto para a intervenção.

E contorna, com isso, em meio ao fragor das lutas políticas mais agitadas que jamais teve o Estado do Rio, a intervenção do Governo Estadual nos negócios de Petrópolis, através de prefeito de sua nomeação.

Estava contida a vasta conspiração contra a autonomia de Petrópolis que a imprensa do País denunciou nas grandes Capitais e preservado o princípio constitucional e sagrado inscrito no coração da sua gente.

Esta a atuação desta Câmara, senhores, naquela sua constante histórica de independência.

E assim continuou através das mais altivas decisões, atravessando períodos de singular relevo, ainda na era hermogeneana, como a chamou inspirado historiador, durante a qual se alteou, como estrela ímpar, o combativo, o genial orador, político, médico e jornalista, Arthur de Sá Earp, na fase de sua presidência de 1905 a 1907 e na sua atuação vigorosa na Assembléia Legislativa do Estado.

Deixando Hermogênio o governo, e já temporariamente afastado o seu grande aliado, entrou Petrópolis num período infrene de agitação política, até que em 1913, em conseqüência ao fato de Nilo Peçanha ter entregue as posições políticas a outros estranhos ao Município, que não apoiaram a sua candidatura, reabre-se, pelas dificuldades em que Leopoldo Bulhões, Senador de Goiás e Presidente da Casa, se encontrava de governar, opostas pela oposição, a ameaça de nomeação do Prefeito.

A luta é grande. A Câmara, por seus elementos oposicionistas, tendo à frente Sá Earp e Joaquim Moreira a sustentarem com galhardia, brilho e invulgar coragem cívica, a sua independência.

A imprensa se apaixona.

Abre-se luta entre os “goianos”, como os apelidou o Diário da Manhã de que Sá Earp era o redator-chefe, e os por ele chamados autonomistas. Polêmica séria, vibrante, rica de ensinamentos.

A Câmara resiste.

Condiciona-se à anulação do alistamento eleitoral então recente, a não nomeação de Prefeito.

O alistamento, que havia dado ganho de causa nas eleições aos oposicionistas, é mantido pelo Poder Judiciário em recurso interposto pelo Partido Municipal.

Moreira adaptou-se. Sá Earp e seus companheiros resistem ainda.

E o Governo do Estado, para manter Bulhões, aceita o fato de se estar construindo estrada estadual, baixa o Decreto nº 1302 de 28 de julho de 1916 criando a Prefeitura em Petrópolis, com provimento mediante nomeação do Presidente.

E Nilo, por Ato de 30 de julho de 1916, decreta finalmente, a intervenção branca no Município, nomeando para o cargo Oswaldo Cruz que se empossa em 18 de agosto do mesmo ano.

E assim se encerra na história de Petrópolis o ciclo de 57 anos durante o qual esta Câmara governou o Município, e no desenrolar dos quais escreveu as mais belas páginas de sua epopéia na defesa das liberdades públicas e trouxe para cidade os maiores exemplos de civismo e as realizações administrativas mais importantes.

Em 1922, o Prefeito passa a ser eleito. Restaura-se, assim, mantido o sistema da separação dos poderes municipais, o regime de plena autonomia dos negócios públicos do Município.

E não podem os petropolitanos esquecer a bela página em que esta Câmara deixou gravada o senso de dignidade com que exerceu as suas prerrogativas, volvendo à época mais recente, após a noite trevosa dos lamentáveis tempos da ditadura e cujo alvorecer se deu em 1945.

Forte o Executivo em 1947. E esta Câmara, ameaçados de violência alguns de seus vereadores, resistiu impávida, em sessões que se prolongaram madrugada a dentro, garantida por força federal. E põe abaixo por esmagadora maioria, empréstimos que, quase à força pleiteado, oneraria por longos vários anos, o erário do Município.

Vale a referência, porque estamos fazendo História.

Honrando a Câmara Municipal de Petrópolis com emoção, não posso deixar de aplaudir-lhe os brios, instando-a a que assim continue para glória de Petrópolis, lembrando palavras, já referidas, de Taine:

“Para que a sociedade municipal seja viva e vivedoira, cumpriria que tivesse no coração e no espírito este pensamento que já não tem: ´Estejamos juntos na mesma barca; a barca é nossa, nós é que a tripulamos! Aqui estamos todos, para a menear nós mesmos, por nossas mãos, cada qual no seu lugar, no seu posto, com o seu quinhão, pequeno ou grande, na manobra´”.