EM TEMPOS DE RODOVIÁRIA…
Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga
Quando abrimos tanto nossos jornais como os da “capital”, nos deparamos com a questão da “nova rodoviária”. E observamos que pontos tanto pró como contra são abordados. Sem sombra de dúvida levaríamos tempo avaliando sobre a decisão política ou mesmo técnica de sua construção.
Mas constataríamos que o predomínio de escassas consultas sobre modelos urbanos prevaleceria sendo que se sobressairia o fato de que técnicos ou formações como as do IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) são coisas do passado, diante da verticalização das decisões políticas do presente. Fatores essenciais que de há décadas foram sepultados na maioria das cidades brasileiras pelo imediatismo político e em alguns casos até mesmo eleitoreiro.
Sabemos o quanto, em nosso caso, a discussão sobre a preservação do sitio histórico torna-se questão cotidiana, principalmente em época de receita turística. Também sabemos o quanto a desordem demográfica e a consequente especulação imobiliária tornou o primeiro distrito de Petrópolis um sitio “mexicano”. Foram retiradas várias linhas de ônibus inter-municipais, porém permanecem carretas, caminhões de tonelagens míticas, sem falar nos rendosos estacionamentos públicos ou particulares. Por diversas épocas a discussão sobre a preservação da “urbs petropolitana” se fez presente nas inúmeras administrações. Sendo que sempre prevaleceram as decisões de caráter político e não técnico.
Lá se vão, perdidos na década de 20, os urbanistas à européia que plantaram magníficas magnólias que por décadas transformaram-se em elogio para Burle Marx e outros paisagistas nacionais. A realidade é que ao final de década de 30 e início da de 40, a propensão ao modismo “modernista”, de base norte-americana, principalmente o de resultado especulativo financeiro conduziu a uma enxurrada de “espigões” que quase destruíram o sítio e venceram a firme deliberação do Dr. Mario Aloísio Cardoso de Miranda, prefeito, que havia proibido a construção de “arranha-céus”.
Cardoso de Miranda, para se contrapor as pressões que eram diversas, convidou (25-01-41) para vir a Petrópolis o professor Alfred Agache, famoso urbanista francês e mundial do período, do Institut d’Urbanisme de L’Université de Paris, maior escola de urbanismo do mundo (1924), que afirmou, segundo os jornais petropolitanos, que Petrópolis era uma “obra de arte”. Declarou que em sua carreira não tivera em suas mãos cidade de tantas possibilidades para um trabalho perfeito e que poderia se colocar como “a mais bela cidade do Brasil, senão do universo”.
Mas o projeto não seguiu adiante. Cardoso de Miranda chegou a permitir a construção de edifícios na recém criada XVI de Março, e outros periféricos, sinal de que as pressões eram muito fortes, o que o levou a demitir Guilherme Eppinghaus, visto pelos modernistas como o grande entrave às construções na Rua do Imperador.
Superiores pressões “pseudo-modernistas” levaram a exoneração de Miranda pelo então interventor fluminense, Amaral Peixoto, genro de Vargas, que constantemente veraneavam em Petrópolis é eram seduzidos pelos grupos opositores. Era o limiar de administrações que afirmavam que transformariam radicalmente o “modus vivendi“ tanto da classe média como da classe pobre petropolitana e que de forma populista trouxeram o “caos nosso de cada dia”.
Os loteamentos autorizados em encostas, que trouxeram desastres e inúmeras vitímas, e tornaram-se realidade histórica nas décadas seguintes. Os altos edifícios da Rua do Imperador, e suas “gaiolas” que seguiam os padrões tanto do modismo paulista como do carioca da Era Martinelli ou da Noite, e que em nossa cidade se perpetuaram por várias administrações e interesses. Em nosso caso foram autorizados em “cascata” (dez edifícios) na administração de Flávio Castrioto (27-01-1946), assim como outros tantos na de Márcio de Mello Franco.
F. Koeler planejara uma “urbs”, única no mundo no século XIX, para que esta chegasse em futuro ao máximo de cem mil habitantes bem distribuídos, mas não para um “boom” de trezentos mil, que é um resultado da política migratória e de legalização de encostas sob a forma de “bairros”.
Quanto ao famoso plano da Rua do Imperador, há muito que a discussão sobre a sua dimensão urbana se faz presente, com a questão dos trilhos dos bondes, dos lotações, e de sua estratégica estação ferroviária.
A ligação com o Rio nos anos 30, por moderna frota de ônibus, trouxe por necessidade para a área externa da estação ferroviária a extensão de uma cobertura que se transformou na Rodoviária de Petrópolis destinada a receber os ônibus da UTIL, e posteriormente os de D. de Caxias entre outros. Ao final da década de 30 a renovação urbana de Petrópolis se processava em substituição aos bondes e aos antigos lotações sucessores das “caranguejolas” que produzidas em Petrópolis com carrocerias alemães (Bade), eram inclusive comercializadas no Rio aos condutores lusitanos, ex-motorneiros, que abandonavam os bondes para se aventurar como empresários de linhas para os bairros próximos ao centro.
Em Petrópolis, João Varanda, que com sua magnífica oficina e posto de gasolina no histórico prédio, atual estacionamento do ABC, na Paulo Barbosa, vislumbrou também os transportes urbanos em Petrópolis e criou a “Rodoviária Sul Petrópolis”, empresa moderna que a principio contou com seis linhas substituindo os pontos finais de bondes e outros, mas que deu inicio a uma verdadeira cruzada para os bairros acompanhando o crescimento populacional atrelado às industrias e ao movimento de veraneio provocado pelo fator Cassino Quitandinha (1944), e seguido processo migratório.
Para resolver o problema das carrocerias, Varanda concebeu a JOVA, empresa que produziu carrocerias para todo o Rio de Janeiro. Sendo seguido por Kreischer e outros pequenos empresários. Varanda inclusive subsidiou a construção do primeiro abrigo de ônibus urbano de Petrópolis, considerado por muitos nos anos 50 e 60 como a Rodoviária Urbana de Petrópolis, o abrigo Prefeito Oscar Weinschenck (1946), hoje ameaçado por um “mega” efeito imobiliário que ensaia seus primeiros passos para continuar a “emparedar” a região.
Como constatamos a descaracterização é lenta e corrosiva, até pensou-se na “disposição” da rodoviária que é um ato, mas na mudança do “eixo” sócio-urbano, cujos transtornos econômicos e sociais seriam críticos? Nunca! Observamos que na verdade Petrópolis necessita ser discutida tecnicamente em seus detalhes urbanísticos e não imposta. Isto, antes que nada mais reste ao seu ente social.