A FUNDAÇÃO DE PETRÓPOLIS – DECRETO DE 16 DE MARÇO DE 1843 E OUTROS DOCUMENTOS DO MESMO ANO

Henrique Carneiro Leão Teixeira Filho

Dentre os principais fundadores de Petrópolis foi o Major Koeler, incontestavelmente, o grande realizador senão o próprio inspirador da fundação da cidade.

E esta afirmação está longe de ser gratuita: alicerça-se em bons e convincentes documentos.

Com efeito, desde o Decreto de 16 de Março de 1843, que em verdade foi o marco inicial, a pedra angular sobre a qual levantou-se Petrópolis, surge o nome de Julio Frederico Koeler em todos os atos governamentais ou administrativos tocantes à transformação da Fazenda do Córrego Seco na povoação que serviu de berço à cidade.

Nada se fez, provam os documentos, sem a direta participação do Major Koeler. Com ele lavra-se o contrato de arrendamento da velha Fazenda, constante da escritura de 27 de julho de 1843, onde se mencionava textualmente o “Decreto de S. Majestade”, de 16 de março daquele ano, e em cujo art. 15º exigia-se do arrendatário Koeler, para o fiel cumprimento do contrato, “a hypotheca de seus bens, havidos e por haver”. E nesse instrumento, convém notar, já se aludia ao nome da cidade a ser construída, ao impor-se ao arrendatário, no art. 10º, o levantamento gratuito da “planta da FUTURA PETRÓPOLIS, e do Palácio e suas dependencias”.

Do mesmo modo, em outras cláusulas e nas prescrições estabelecidas nas “condições” complementares ao contrato, fixavam-se, desde logo, as regras ou normas a serem seguidas e observadas na cidade nascente, prescrevendo-se obrigações relativas aos futuros proprietários (foreiros), e também concernentes aos alinhamentos, cercas, muros, “portões elegantes” (textual), nivelamentos, indivisibilidade dos lotes mínimos (prazos), arborização, calçadas de alvenaria, primeiras edificações, sem esquecer, quanto a estas, recomendações de asseio e de estética, inclusive recuo obrigatório relativamente às estradas.

E planejava-se toda essa obra, que inda hoje seria considerada grandiosa, e à qual se daria o nome de urbanismo, contratando a sua imediata execução com um engenheiro competente, ao qual se conferiam poderes cada vez mais amplos e do qual se exigiam garantias reais.

Tudo isso iniciava-se em 1843; tudo isso começava a fazer-se sob a chefia suprema de Koeler, estipulando o aludido contrato, em termos explícitos, os casos em que o arrendatário agiria qual representante direto da Mordomia, com poderes suficientes para dirimir dúvidas entre foreiros e intrusos, e bem assim aqueles em que a Casa Imperial não prescindiria de suas informações e pareceres.

E o homem que conferia a Koeler tantos e tão dilatados poderes também possuía conhecimentos técnicos e indiscutível capacidade profissional. Paulo Barbosa da Silva, Mordomo da Casa Imperial, deixou trabalhos de valor, principalmente acerca dos serviços públicos das cidades, estudos que sobremaneira honram-lhe a memória e bem atestam a sua visão de engenheiro e de homem culto e viajado. Nos próprios papéis que pertenceram ao Major Koeler encontrar-se-iam elementos para assim ajuizar-se do Mordomo, e para tanto bastaria citar-se o plano apresentado por aquele, em dezembro de 1843, para o abastecimento d´água na Corte, estudo que atualmente ainda se poderá ler com proveito e encanto.

Ora, a invulgar atividade, a extraordinária ação pessoal que o Major Koeler exerceu nas diversas fases da premeditada e bem estudada fundação de Petrópolis, jamais foi desconhecida do Cons.º Paulo Barbosa, fosse quando este tivesse de oficiar a Koeler, em 30 de outubro de 1843, para entregar-lhe, “na forma proposta por ele Koeler, as instruções para os aforamentos dos terrenos que deveriam formar a futura Petrópolis” – , cuja fundação, portanto, independia da fortuita chegada de colonos estrangeiros – ; fosse quando, ao recordar-lhe, mais tarde, a ação dinâmica e infatigável, traçasse de próprio punho o mais expressivo e insuspeito relato acerca da fundação de Petrópolis e do preponderante papel então desempenhado por Julio Frederico Koeler. (Documento em poder de Americo Jacobina Lacombe, lido perante a Comissão do Centenário em sessão de 10 de setembro de 1938).

Nas instruções de 30 de outubro de 1843, logo no art. 1º há referências exatas ao “mappa levantado pelo arrendatário Koeler”, mencionando o mesmo artigo que “a futura Petropolis constaria do terreno descripto e marcado” em tal trabalho topográfico, “e do que futuramente S. M. houvesse por bem designar”.

Renovavam-se ali, nas referidas instruções, para “servirem de condições aos emphyteotas”, de modo mais preciso e minudentemente, todas as obrigações dos foreiros quanto à construção de casas, cujas fachadas dependeriam de aprovação do engenheiro Koeler; davam-se regras para o plantio de “arvores frondosas”, cujo alinhamento, época de plantação e respectivas variedades ficavam a critério do arrendatário Koeler; prescreviam-se as qualidades das alvenarias e as dimensões das calçadas fronteiras às construções; determinavam-se as captações “das águas pluviaes, oriundas dos telhados, as quaes deveriam ser conduzidas até às ruas por canos, e tubos verticaes encostados ou introduzidos nas paredes”; impunha-se a canalização dos rios, que passassem nos fundos dos prazos, e que deveriam ser feitas “por meio de dous muros de alvenaria solidos, e na forma indicada no mappa”. E desde logo, velando pelos logradouros públicos da cidade em apreço, tolhia-se aos foreiros o direito de fazer “obras exteriores sobre as ruas ou praças, como rampas ou escadas”, etc.

E assim, sob o regime e sabedoria de tais instruções, emanadas dos poderes competentes, e que devem ser assinaladas como notáveis e deveras adiantadas para a época, nasceu Petrópolis em 1843. E nasceu oriunda de um plano estudado e bem elaborado.

Já houve, no entanto, quem dissesse e pretendesse demonstrar, que todos aqueles atos de 1843, acima referidos e que de modo irretorquível demarcam a história da fundação de Petrópolis, seriam tão somente atos particulares, concernentes aos bens pessoais do Imperador.

Devem estar em erro quantos assim tenham afirmado ou proclamado.

Os documentos aludidos falam em “Decreto”, em “Decreto de S. Magestade”. E não é crível que o Mordomo da Casa Imperial, homem de saber, maioral da Facção Áulica, desconhecesse a exata denominação com que o mencionado ato de 16 de março deveria ser referido no contrato de 27 de julho de 1843.

Mas seja dado de barato que o Mordomo da Casa Imperial, engenheiro notável e distintíssimo oficial do Exército, ignorasse a verdadeira expressão a empregar. Que autoridade teriam os atuais impugnadores, para declararem imprópria ou menos acertada aquela denominação? Nenhuma.

Vem ao caso lembrar, que em tempos remotos não eram muito nítidas as fronteiras entre o direito público e privado. Ora, pretendem pessoas menos conhecedoras dos assuntos históricos, que o ato de S. M. o Imperador, fazendo doação de terras, fosse nímio ato de direito privado, que nada teria de parecido com um ato de direito público adequado à criação de vilas, cidades, etc., etc.

Entretanto, outrora valiam em casos tais “esses atos de direito privado”, se é que tais direitos fossem então definidos e separados. E valia nesses casos a concepção do direito patrimonial do rei; tudo que fosse concernente ao reino, o rei regularizava pelos atos concernentes ao seu patrimônio. Esse patrimônio compreendia os direitos públicos. Tudo estava adstrito a ele.

Assim era nos tempos idos, e não hoje quando os reis pouco mandam e até escasseiam.

Então, os atos do rei em relação ao seu patrimônio decidiam na parte política e de direito público. As duas coisas se ajustavam: direito patrimonial e função pública.

Era assim prática tradicional, que talvez ignorem pessoas menos versadas em antiqualhas, mas a verdade é que a criação das vilas provinha do destino que o dono desse ao seu patrimônio.

E para saber-se que o monarca, assim procedendo, usava de um direito no caso, bastará a leitura do texto adiante transcrito. Na obra do Conselheiro Ribas, intitulada “Direito Administrativo Brasileiro”, há um trecho que diz que os negócios da imperial casa
a) gerência dos palácios e terrenos nacionais,
b) negócios da casa imperial que interessassem a muitos e devessem durar longo tempo (e este era o caso da fundação da cidade), – se resolveriam POR DECRETO.

Ora, a fundação de Petrópolis, tal como consta dos documentos de 1843, estava rigorosamente no caso apontado pelo Conselheiro Ribas: – negócio da imperial casa, que interessava realmente a muita gente, e que deveria durar longo tempo.

E ainda diz muitíssimo mais o referido autor: menciona quem deveria assinar TAIS DECRETOS. A passagem do livro é a seguinte:

– “Além destes decretos legislativos, outros ha que sómente emanam do monarcha. Com effeito, é esta a formula de todos os actos do poder moderador, bem como dos do executivo em que intervém o chefe deste poder. São tambem assim expedidas as ordens do Monarcha, relativas á gerencia dos palacios e terrenos nacionaes, por elle possuidos, ou de quaesquer negocios da imperial casa que interessem a muitos e cujos effeitos devam durar longo tempo”.
– “A Constituição não exige a referenda ministerial nos decretos do poder moderador, e sim sómente a exige para a exeqüibilidade dos do executivo; mas os ministros regularmente referendam aquelles decretos, assumindo assim, segundo alguns pensam, a responsabilidade delles, e compartindo-a com os conselheiros de estado que as aconselham. (Const., art. 143, e lei de 23 de Novembro de 1841 art. 4º; vid. o sr. Pimenta Bueno Dir. Publ. Bras. tit. 5º, cap. 2º, sec. 5ª).
Entretanto, sobre este importante ponto da doutrina constitucional, posto que muitas vezes largamente debatido, longe estão as opiniões de chegarem a accordo.”
– “Os decretos relativos á gerencia dos negocios da imperial casa, não importando o exercicio da funcção de um poder político, sómente são assignados pelo mordomo a quem tal gerencia concerne.(Const., art. 114º).”
(Op. cit. pag. 210-211)

Eis aí cabalmente demonstrado, em poucas palavras, e com a indiscutível autoridade do GRANDE MESTRE que foi o Conselheiro Ribas, a exata, a exatíssima denominação dada ao ato de 16 de março de 1843, isto é, ao mencionado Decreto de S. Majestade, do qual verdadeiramente resultou a fundação de Petrópolis.

Esta demonstração não poderia deixar de fazê-la a quem desejasse prestar uma justa homenagem aos VERDADEIROS FUNDADORES DE PETRÓPOLIS, isto é, aos três participantes dos atos de 1843: o Imperador D. PEDRO 2º, o Mordomo PAULO BARBOSA, e o Major de Engenheiros JULIO FREDERICO KOELER.

E Koeler foi dentre os três a figura acentuadamente predominante em todas as etapas para a transformação do Córrego Seco em cidade, na Petrópolis que ele projetou, realizou, engrandeceu com a doação das terras do seu patrimônio pessoal (Fazenda Quitandinha), e patrioticamente serviu e amou. Dele há de escrever um estudo biográfico mais desenvolvido, pesquisando-lhe os passos anteriores e posteriormente a 1843, quem ora apenas relembra-lhe o nome e aponta-lhe os serviços de benemerência.

Então serão apreciados, nas justas proporções, com todo o carinho e entusiasmo, a obra inesquecível e os serviços consideráveis dos COLONOS ALEMÃES, chegados em Petrópolis a partir de 1845, e em boa hora cedidos por Aureliano Coutinho (Sepetiba) ao engenheiro Koeler, a quem ficaram confiados, e graças aos quais mais rapidamente se operou o desenvolvimento da cidade de Pedro II.

Mas, impossível será, ao historiador imparcial, falar de Petrópolis, evocar a personalidade curiosíssima de Koeler, sem recordar o nome a participação do Mordomo Paulo Barbosa.

Deles dois, do perfeito entendimento entre eles, do alto conceito que desfrutavam, da confiança que lhes dispensava o Imperador, do apoio que a cada um deles asseguravam vultos do porte de Paraná e de Sepetiba (Honorio e Aureliano), proviria a memorável obra que ora se enaltece, a cidade cujo centenário natalício transcorrerá dentro em breve, acontecimento histórico de magna importância e que fará jus a ruidosas e expressivas festividades cívicas em 1943.

Que o povo petropolitano, que a cidade de Petrópolis, por seus homens de elite e de governo, não se esqueçam, então, dos nomes de Koeler e de Paulo Barbosa; saibam erguer-lhes, para o próximo 16 de março de 1943, um monumento condigno, e destarte procurem saldar uma dívida em atraso e deveras sagrada.

CINCO documentos anexos ao trabalho lido por H. C. LEÃO TEIXEIRA FILHO perante a Comissão do Centenário da Cidade de Petrópolis na sessão realizada em 10 de setembro de 1938

ANEXO Nº 1

“DECRETO”
“Tendo approvado o plano que me apresentou Paulo Barbosa da Silva, do Meu Conselho, Official Mór, e Mordomo de Minha Imperial Casa, de arrendar a Minha Fazenda denominada “Corrego Seco” ao Major de Engenheiros Koeler; pela quantia de um conto de réis annual, reservando um terreno sufficiente para nelle se edificar um Palacio para Mim, com suas dependencias e jardins, outro para uma povoação, que deverá ser afórado a particulares, e assim como cem braças dum e outro lado da estrada geral, que corta aquella Fazenda, o qual deverá tambem ser afórado a particulares, em datas ou prazos de cinco braças indivisiveis, pelo preço porque se convencionarem, nunca menos de mil réis por braça :
Hei por bem authorisar o sobredito Mordomo a dar execução ao dito plano sob estas condições. E outrosim o Authorizo a fazer demarcar um terreno para nelle se edificar uma Igreja com a invocação de S. Pedro de Alcantara, a qual terá uma superficie equivalente a quarenta braças quadradas, no logar que mais convier aos visinhos e foreiros, do qual terreno lhes faço doação para este fim e para o cemiterio da futura povoação. Ordeno portanto ao sobredito Mordomo que proceda aos ajustes e escripturas necessarias, n’esta conformidade, com as devidas cautelas e circumstancias de localidades, e outrosim que forneça a minhas espenças os vazos sagrados, e ornamentos para a sobredicta Igreja, logo que esteja em termos de n’ella se poder celebrar. Paço da Boa Vista deseseis de Março de 1843, vigesimo segundo da Independencia e do Imperio. Dom Pedro II. Paulo Barbosa da Silva. Conforme, Augusto Candido Xavier de Brito.”

ANEXO N.2

“Escriptura de arrendamento da Fazenda denominada Corrego Seco, sita no Alto da Serra da Estrella, que faz o Exmo. Mordomo da Casa Imperial ao Major de Engenheiros Julio Frederico Koeler.
“Aos vinte e seis dias do mez de Julho de mil oitocentos e quarenta e tres, compareceu na Mordomia da Casa Imperial, perante mim Escrivão da mesma, o Major Julio Frederico Koeler, ante o Exmo. Snr. Conselheiro Mordomo de Sua Magestade o Imperador, e em presença de testemunhas abaixo nomeadas, depois de concertarem, se convencionarão nas condições com que aquelle Major toma de arrendamento á Casa Imperial a Fazenda denominada “Corrego Seco” sita na Serra da Estrella, pertencentes aos bens particulares de Sua Magestade Imperial, e o mesmo Conselheiro me ordenou que em virtude do Decreto de Sua Magestade de deseseis de Março do corrente anno, que a isso o authorizou, exarasse os artigos em que se convencionarão de reciproca obrigação, que são os seguintes:

– Artigo 1º – O arrendamento será por nove annos consecutivos, que se contarão da data d’esta, pelo preço de um conto de réis annuaes, pago no fim de cada anno, e comprehenderá todo o terreno pertencente a Sua Magestade Imperial, excepto o que nos subsequentes artigos se destina a outros fins.

– Art. 2º – O arrendatário se obriga a reedificar os predios e ranchos existentes sob as mesmas dimensões, podendo mudal-os para outro local dentro da Fazenda, se isso convier melhor a seus interesses, devendo-os entregar no fim do arrendamento em bom estado: se valerem mais do que actualmente receberá oitenta por cento de differença.

– Art. 3º – No caso que se veja obrigado a mudal-os do lugar onde estão, para o em que a Estrada nova deve passar, o que equivale a uma edificação nova, receberá ao acabar o arrendamento oitenta por cento do valor que lhes fôr dado por arbitros, com tanto porém que este não exceda a quatro contos de réis, porque, se exceder perderá o arrendatario o excesso para a Casa Imperial. Deste valor se deduzirão os materiaes mudados do lugar onde ora estão os ranchos e a Casa da Fazenda.

– Art. 4º – Reserva o Mordomo para aforar a particulares, e para se edificar a Igreja, e Cemiterio, todo o terreno collateral da estrada, tanto da que existe como da que se vae abrir, com cem braças de cada lado, de qualquer das estradas, contadas das margens d’ellas, tanto velha, como nova, as quaes serão medidas segundo os rumos normaes da Fazenda, ficando para o arrendatario o terreno que lhe fôr preciso para collocar os ranchos, quando os queira mudar para a margem da estrada nova, o qual será ulteriormente designado; e desde já toda a varzea onde ora estão casa e rancho, e suas vertentes para logradouros do seo negocio de rancho, em quanto durar este arrendamento, findo o qual será aforado a quem Sua Magestade mandar para augmento da povoação.

– Art. 5º – Reserva mais o Mordomo todas as vertentes comprehendidas entre o sítio de Antonio da Costa Dantas, Rio Corrego Secco abaixo até a sua barra no Piabanha para nelle se edificar um Palacio, e suas dependencias, e Igreja, se isso convier, e uma povoação; ficando tambem reservadas cincoenta braças no alto da Serra com cem de fundo para cada lado, e todo o terreno que verte para a Bahia do Rio de Janeiro.

– Art. 6º – As primeiras cento e cincoenta braças contiguas ás cincoenta citadas, no alto da Serra, ao longo da estrada, com cem de fundo para cada lado, formando sessenta prazos, ficão aforados perpetuamente ao arrendatario, com os mesmos onus e condições com que se aforão as outras; porém durante o tempo de nove annos, que se contarão da data d’esta, não pagará fôro, nem direito de reconhecimento de senhorio directo que os de mais pagão á entrada, e poderá outrosim estabelecer todo o genero de negocio que quizer, e edificar á margem da estrada.

– Art. 7º – Tendo Sua Magestade Imperial concedido mil e seiscentas braças superficiaes para n’ellas se edificar uma Igreja, com a invocação de S. Pedro d’Alcantara, fica ao arrendatario a escolha dos melhores locaes para estes destinos.

– Art. 8º – O Mordomo se compromette a não conceder aforamento de terras reservadas para este fim sem precedencia de informação do arrendatario.

– Art. 9º– O arrendatario será considerado perante os foreiros, como delegado do Mordomo, e qualquer desintelligencia que possa haver entre estes será por elle decidida, ficando sempre a decisão dependente da approvação da Administração da Casa Imperial.

– Art. 10º – O arrendatario se obriga a levantar a planta da futura Petropolis, e do Palacio, e suas dependencias gratuitamente, e a remettel-as ao Mordomo o mais breve que lhe fôr possivel, e a demarcar em prazos de cinco braças todo o terreno que borda de um e outro lado, e a numeral-os.

– Art. 11º – O arrendatario poderá expellir das terras da Fazenda os intrusos que n’ella se situarão, tudo em forma legal, e lemitar-lhes terrenos de que se farão foreiros como os outros, e lhes marcará tempo para se pôrem em regra, a vista das condições marcadas a estes, preferindo sempre as formas amigaveis e conciliatorias ás forenses.

– Art. 12º – Se convier ao arrendatario admittir foreiros nas grotas da Fazenda, ou em qualquer parte d’ella, fóra da reservada n’este contracto, o poderá fazer propondo á Mordomia os individuos, e os terrenos que lhes pretende ceder. Estes individuos serão foreiros da Casa Imperial; mas durante o tempo do arrendamento da Fazenda, o arrendatario cobrará para si os fóros; em tudo o mais ficarão de egual condição, a dos outros foreiros, e prehencherão as mesmas condições. O preço do reconhecimento de Senhorio será na razão da superficie em relação dos da estrada, o preço porém do fôro será variado segundo as vantagens que offerecerem á cultura, ao commercio, e industria.

– Art. 13º – O arrendatario será cobrador dos fóros, e reconhecimentos de Senhorio directo, e de tudo quanto entregar no Cofre da Casa Imperial, terá dez por cento, e a Casa lhe fornecerá os livros competentes para ter a escripturação em regra.

– Art. 14º – O Mordomo por si, ou por outrem, fará entrega em forma ao arrendatario, precedendo avaliação das bemfeitorias existentes, lavrando-se termo da entrega.

– Art. 15º – O arrendatario hypotheca seus bens, havidos, e por haver, ao fiel cumprimento d’este contracto, tanto de pagamento da renda, como do que cobrar na forma do artigo decimo terceiro.

– Art. 16º – A peça adjunta que marca as condições geraes pelas quaes Sua Magestade Imperial concede terrenos d’esta Fazenda por aforamento, faz parte integrante do presente contracto.

E havendo-lhes lido esta em presença das testemunhas aqui declaradas, a aceitarão na forma acima dita, em fé do que esta assignarão. Paulo Barbosa da Silva – Julio Frederico Koeler – Augusto Candido Xavier de Brito, escrivão da Casa Imperial. Como testemunhas: José Joaquim da Cunha – Izidro José Martins Pamplona. Conforme, Augusto Candido Xavier de Brito.”

ANEXO N.º 3

“Condições com que se aforão terras da Fazenda de Sua Magestade o Imperador,denominada “Correga Secco” e que fazem parte integrante do contracto de arrendamento que faz o Snr. Major Koeler.

Art. 1º – As pessoas que pretenderem aforar terras por foro perpetuo dirigirão a Sua Magestade Imperial suas petições, declarando:
– Quantos prazos pretendem, e quaes por seus numeros. Entende-se por prazo um quadrilatero de cinco braças de frente sobre a margem da estrada, com cem ou mais de fundo.

Art. 2º – Ouvido o arrendatario, se lhe passara titulo, ou se escusará a petição, segundo o merito da informação.

Art.3º – Obtido o titulo, o apresentará ao arrendatario Koeler, para o registrar, e n’esta occasião pagará por cada prazo tres mil e duzentos réis a titulo de reconhecimento do senhorio directo, e tanto do registro, como d’este recebimento, como do numero de prazos, e do empossamento, fará o arrendatario declaração nas costas do titulo, e ficará pagando o foreiro á Casa Imperial dois mil e quinhentos réis por anno por cada prazo.

Art. 4º – O foreiro pagará ao arrendatario pelo seu empossamento e demarcação á razão de quatro mil réis por cada prazo, isto por uma vez sómente.

Art. 5º – Se a algum convier possuir maiores fundos do que o de cem braças, mencionará isso no seu requerimento, e pagará mais de fôro annual o que se convencionar com o arrendatario, e fôr approvado pela administração da Casa Imperial.

Art. 6º – Os foreiros se obrigarão no acto da posse:
1º) – A cercar, valar, ou murar seus terrenos solidamente, de forma a evitar futura contestações;
2º) – A fechar suas testadas com a estrada com grádes, ou muros e portões elegantes;
3º) – A plantar nas ditas testadas ao menos uma carreira de arvores frondosas, no alinhamento e da qualidade que pelo arrendatario fôr indicada;
4º) – A edificar predios dentro do espaço de dois annos, a contar das suas respectivas posses, pelo alinhamento que o sobredito arrendatario dér; a cuja aprovação submetterão os planos dos frontespicios dos ditos predios; não devendo nenhuma caza ficar mais proxima da estrada do que cincoenta palmos;
5º) – Durante os nove annos de arrendamento da Fazenda ao Major Koeler, a não pôr caza de compra e venda de seccos e molhados, sal, ferro, ferraduras, louça, café, e mantimentos, hospedaria, seges ou cavallos de aluguel, nem a edificar moinhos ou engenhos de serrar para negocio, mas sim para seus uzos particulares, e só poderão fazer para negocio com licença do arrendatario, em quanto o fôr;
6º) – A conservar o exterior de suas casas em bom estado de aceio, tanto no que diz respeito aos predios, como no ajardinamento da area fronteira á entrada;
7º) – A pagar no mez de Janeiro de cada anno os fóros vencidos no anno anterior ao arrendatario, ou a quem ulteriormente se lhe designar.

Art. 7º – A infracção dos arts. 3 e 4 será considerada como abandono do dominio util, e á Mordomia se reserva o direito de conceder estes prazo a outros, como devolutos ao Senhorio directo, sem restituição nem indemnisação alguma ao foreiro infractor; as do art. 5 serão punidas com a multa de 20$000 rs. para o arrendatario, e de 40$000 rs. na reincidencia, e assim por diante cobrados judicialmente.

Art. 8º – Nenhum foreiro poderá alienar superficie menor de um prazo, e no caso de fallecimento d’um foreiro, quando caiba a muitos herdeiros o mesmo prazo, serão estes obrigados a vendel-o; e as bemfeitorias n’elle existentes, ou a encabeçal-o em um só d’entre si, de sorte que nunca se possa conhecer mais de um possuidor ao mesmo prazo. Não se concedem mais de dez prazos a um individuo.

Art. 9º – Todo o terreno que parte da paragem que se denomina “Dantas” e a varzea onde actualmente estão situados os ranchos, e cazas da Fazenda, em parte desde já, e no seu todo para o futuro, é destinado para a povoação, e para isso será arruado, e marcado pelo actual arrendatario, ou a requerimento d’elle para authoridade competente, e será aforado a 10 rs. por braça superficial, devendo-se sujeitar o foreiro aos nivellamentos que lhe forem dados pelo dito arrendatario, de cuja approvação dependerá o frontespicio dos edificios.

Art. 10º – Logo que qualquer foreiro aliene um ou mais prazos, o comprador ficará por si obrigado a todos os onus impostos ao vendedor.

Paço, em 26 de Julho de 1843.
(a) Paulo Barbosa da Silva.
Conforme: Augusto Candido Xavier de Brito.”

ANEXO N.º 4

“Illmo. Snr. Major Julio Koeler.

Na forma proposta por V. S. remetto-lhe aqui juntas as instrucções para os aforamentos dos terrenos que devem formar a futura Petropolis, na Imperial Fazenda do Corrego Secco, as quaes vão por mim assignadas, servindo de condições aos emphyteotas, afim de que V. S. as ponha em pratica.

Deos guarde a V. S. – Mordomia da Casa Imperial – , 30 de Outubro de 1843.
(a) Paulo Barbosa da Silva.”

ANEXO Nº 5

“Condições com que se aforão as terras de Petropolis, e as do arrendamento do Major Julio Frederico Koeler.

Art. 1º – A futura Petropolis constará do terreno descripto e marcado no mappa levantado pelo arrendatario Koeler, e do que para o futuro Sua Magestade houver por bem designar.

Art. 2º – O terreno será concedido por emphyteusis perpetuo a particulares, por quadrilongos de 5 braças de frente com 10 de fundo, e pelos polygonos que constão do mappa.

Art. 3º – Cada um destes quadrilongos, ou polygonos, formará um prazo indivisivel, e será numerado em seguimento dos prazos collateraes da estrada.

Art. 4º – A ninguem se concederá mais de dois prazos fronteiros á estrada, rua, ou praça; porém todos os prazos situados nos fundos destes poderão pertencer ao emphyteuta do prazo fronteiro.

Art. 5º – Os prazos que não têm frente para as ruas, ou praças, serão adjuntos aos que as têm, e o emphyteuta dos primeiros será o dos segundos.

Art. 6º – Os emphyteutas são obrigados:
§ 1º – A construir casa dentro de dois a quatro annos. Estas casas serão contiguas á rua, ou praça, e o seu frontespicio será submettido á approvação do arrendatario Koeler.
§ 2º – A plantar nas ruas, ou praças fronteiras, uma carreira de arvores frondosas segundo o alinhamento, na época, e da qualidade que o arrendatario lhes designar, e entretel-as até que a povoação se torne villa.
§ 3º – A calçar sua frente com alvenaria dentro do prazo de um anno, e com lagedo dentro do prazo de oito annos: tanto a calçada como o lagedo terão dez palmos de largura.
§ 4º – A conduzir as aguas pluviaes de seus telhados até a rua por canos, e tubos verticaes, encostados ou introduzidos nas paredes.
§ 5º – A aterrar dentro do prazo de quatro annos seus quintaes, de modo que sejão superiores ao nível das ruas e praças (quando não tenhão fundos para o rio).
§ 6º – A encanar o rio que lhe passar pelo fundo por meio de dois muros d’alvenaria solidos, e na forma indicada pelo mappa.
§ 7º – A cercar, ou murar, ou fixar solidamente seus limites dentro do prazo de um anno, com pena de rescisão do contracto, sem indemnisação alguma por parte da Casa Imperial.

Art. 7º – O nivel das (?) * e ruas será dado provisoriamente pelo arrendatario Koeler emquanto o não fôr definitivamente pela autoridade civil; os emphyeutas se regularão por esse nivel.

*No original, a palavra foi omittida; parece, pelo sentido, tratar-se de .. praças. L. T.

Art. 8º – A nenhum foreiro hé permittido fazer obras exteriores sobre a rua ou praça, como rampas ou escadas; podem porém, querendo, guarnecer os passeios com frades de pedra, encorrental-os, construir alpendres sobre as portas, e latadas sobre os passeios, cujo aceio he da obrigação do foreiro.

Art. 9º – Cada prazo pagará de reconhecimento de Senhorio directo á Casa Imperial, sendo fronteiro 1$200 réis, e sendo nos fundos 600 réis; de medição, demarcação e empossamento ao arrendatario, sendo fronteiro 1$600 réis, e sendo nos fundos 800 réis, e de fôro annual á Casa Imperial 10 réis por cada braça superficial, além do laudemio em casos de alienação.

Art. 10º – Em virtude do art. 12º do Contracto de 26 de Julho deste anno, e á vista da disposição final do art. 4º do mesmo contracto, pertencerão os fóros de todos os prazos ao Sul e ao Sudeste do largo de Alcantara ao arrendatario.

Art. 11º – As disposições dos arts. 5º e 9º do contracto de 26 de Julho deste anno ficão inteiramente applicadas aos emphyteutas dos prazos de Petropolis emquanto durar este contracto.

Art. 12º – Ao arrendatario cumpre marcar aos foreiros a época em que devão simultanea ou individualmente executar as disposições do art. 6º nos seus §§ 2º, 4º e 6º; e quando aconteça que hajão poucos prazos fronteiros vagos em uma rua ou praça, poderá o arrendatario mandar á custa dos dinheiros provenientes dos aforamentos plantar as arvores de que trata o § 2º, e fazer as obras de que tratão os §§ 3º, 5º e 6º, relativos a esses prazos vagos, comtanto que fique sempre estabelecido que dando-se o prazo vago, pague o foreiro respectivo toda a despeza assim feita.

Art. 13º – Os requerimentos dos peticionarios serão analogos aos dos foreiros collateraes da estrada, e terão o mesmo processo.

Art. 14º – Convindo desenvolver o art. 12º do Contracto de 26 de Julho deste anno, quanto aos foreiros da parte da Fazenda arrendada sem reserva ao Major Koeler, fica estipulado o seguinte:
§ 1º – O arrendatario pode aforar a quem quizer porções das terras, que lhe forão arrendadas, com tanto que estas porções se componhão de prazos de quinhentas braças superficiaes, indivisiveis, as quaes serão numeradas sem seguimento aos da Petropolis.
§ 2º – Cada um destes prazos pagará de reconhecimento de Senhorio directo á Camara Imperial 3$200 réis de demarcação e medição, e empossamento 3$200 ao arrendatario, e de fôro annual ao arrendatario, em quanto durar o contracto de arrendamento, e á Casa Imperial depois de findo esse contracto, o que se convencionar porém nunca menos de 1 real por cada braça superficia.
§ 3º – O emphyteuta poderá ser ou não sujeito em parte ou no todo ás condições geraes do aforamento nos §§ 2º, 3º e 4º e no art. 7º.
§ 4º – O emphyteuta será necessariamente sujeito á disposição dos §§ 1º, 5º e 6º (quando hajão taes casas e ajardinamento), e do § 7º do art. 6º, e a do art. 8.

Art. 15º – As disposições do artigo presente serão mitigadas por propostas especialmente do Major Koeler, quando se tratar de colonos agricolas para Petropolis, e a Fazenda.

Art. 16º – Qualquer emphyteuta o póde ser por contracto de cada vez especial, simultaneamente na Estrada, em Petropolis e no resto da Fazenda.

Mordomia da Casa Imperial, 30 de Outubro de 1843.
(a) Paulo Barbosa da Silva.”