A NOSSA INDEPENDÊNCIA
Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette

 

O Brasil completou dia 7 de setembro p.p. mais um aniversário de sua independência. A evocação desta data tem um significado todo especial, pois foi nela que vingaram de uma vez para sempre os anseios da alma brasileira, pelos quais espíritos fortes, que não viam como transigir numa causa de tanta significação política e moral, se vinham batendo, representando a vontade de um povo que aspirava ser soberano.

Nenhum progresso se faz com o desprezo do passado, de suas legítimas tradições, por isto é justo que procuremos em nosso passado os valores que possibilitaram o crescimento de nosso país e garantiram sua grandeza, até porque a História é o saber do homem preocupado com sua origem, seu estado atual e seu destino.

O processo de nossa independência, só poderá ser entendido se atentarmos para o fato de que nossa emancipação não foi um fato isolado na nossa história política, assim como o grito do Ipiranga não foi o gesto de um só homem – D. Pedro I. Nossa independência foi o resultado de todo um processo político, cujas raízes remontam ao século XVII.

Destarte, o l º movimento de emancipação brasileira, visava à emancipação comercial e explodiu no Maranhão em l684, com a revolta de Manuel Beckman e outros, contra os abusos da Companhia que monopolizava o comércio de certas mercadorias. Bem sucedidos a princípio, os revoltosos chegaram a criar uma junta de governo composta por dois membros de cada classe social, mas a repressão das autoridades portuguesas não tardou, sendo presos os seus líderes e executado o principal deles.

Seguiram-se a esse movimento, em princípios do século XVIII, a Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais e a dos Mascates, em Pernambuco, ambas marcadas pelo ódio entre portugueses e os naturais da terra, que pugnavam já então pela emancipação industrial.

Na segunda metade do século XVIII, os progressos da Colônia foram tão acentuados, que o Marquês de Pombal, ministro do Rei D. José I, elevou-a à categoria de Vice-Reino, a 27 de janeiro de l763. Entretanto a exploração econômica continuou. O próprio Pombal concedeu privilégios odiosos à Companhia de Comércio, paralisando o desenvolvimento da agricultura e da indústria fabril, proibindo a cultura da cana no Maranhão e o fabrico de objetos de ouro, tecidos de sede e de algodão.

Todas essas medidas vexatórias, é preciso que se reconheça, conduziram ao aparecimento da idéia de emancipação política.

Até então as revoltas aspiravam tão somente à liberdade econômica, conservando-se os revoltosos fiéis ao governo Metropolitano. O mesmo já não aconteceu com a Conjuração Mineira, em l789, que buscava não apenas a libertação econômica, mas aspirava acima de tudo à liberdade política.

A verdade é que entre a Revolta do Beckman e a Conjuração Mineira o Brasil viveu um século, preparando-se lenta e espontaneamente para sua completa independência. Neste sentido o sangue do mártir Tiradentes tornou ainda mais viva a causa santa, pela qual foi derramado.

Com a transferência do governo português para o Brasil, novas e promissoras esperanças se descortinaram no cenário político da Colônia.

O Príncipe D. João, segundo nos informa Oliveira Martins, “não quis que sua estada aqui parecesse apenas um refúgio; as exigências materiais e intelectuais de uma capital régia mereceram dele antecipados cuidados, e conseguiu-os na medida do entendimento dos seus ministros. Uma vida nova sorriu nestas paragens…” (1).

(1) MARTINS, Oliveira, in: “Ilustração Brasileira”, Rio de Janeiro, 1922.

Na verdade, D.João, com sua fecunda administração, preparou, durante o tempo em que esteve entre nós, uma situação favorável à libertação do jugo português.

Franqueando o comércio brasileiro a todos os povos civilizados, concedendo-nos a liberdade industrial, aperfeiçoando a organização administrativa, desenvolvendo a cultura e consolidando as fronteiras do país, que em 1815 elevou à categoria de Reino Unido, D. João delineou os contornos de nossa emancipação política.

Sob sua administração o Brasil se adiantara tanto, a sua existência como nação se fazia tão urgente que Thomaz Jefferson, escreveu em 1817, numa carta ao General Lafayette: “O Brasil é mais populoso, mais rico, mais forte e tão instruído como a mãe-pátria” (2).

(2) MATTOSO, Maia. Lições de História do Brasil. Rio de Janeiro, 5 ª ed., p. 231.

A revolução liberal do Porto, proclamando a monarquia constitucional em Portugal, o regresso de D. João VI, o fato da autonomia brasileira não ter sido devidamente respeitada, por ocasião da elaboração da nova Constituição do Reino Unido, resultando no afastamento dos deputados provinciais do Brasil, enfim, as medidas recolonizadoras das Cortes de Lisboa em relação ao Brasil, suprimindo os tribunais do Rio de Janeiro e ordenando o regresso do Príncipe D. Pedro a Portugal, precipitaram os acontecimentos que culminaram com “O Grito do Ipiranga”.

D. Pedro, comenta Corrêa Costa, “sendo herdeiro da coroa portuguesa, queria conservar a união do Brasil e Portugal, vindo mais tarde, a ser, assim, soberano dos dois países; mas via também que a independência do Brasil era uma questão talvez de pouco tempo; e, ressentido com a atitude das Cortes, ia se inclinando aos brasileiros” (3).

(3) COSTA, Correa. As quatro coroas de D. Pedro I. São Paulo, Civilização Brasileira, l940.

Iniciaram então os naturais da terra um movimento no sentido de conquistar o Príncipe para o ideal da independência. Com este objetivo, a 9 de janeiro de 1922, o Senado da Câmara enviou uma representação a D. Pedro, redigida por frei Francisco Sampaio e subscrita por mais de oito mil pessoas, que lhe arrancou o histórico “Fico”. A partir daí, tudo o que se fez no Brasil, visava um único objetivo – quebrar o último elo que ainda nos mantinha unidos a Portugal.

Em conseqüência, toda a elite cultural da época dedicou sua vida à causa da Independência, contribuindo desse modo para sedimentar a futura nação brasileira. Assim José Clemente Pereira, portando a famosa representação do Senado, José Joaquim da Rocha, fundando em sua residência , na rua da Ajuda, o famoso “Clube da Resistência”, Hipólito José da Costa e Joaquim Gonçalves Ledo, com seus inspirados, oportunos e patrióticos artigos, publicados, respectivamente no “Correio Brasiliense” e no “Revérbero Constitucional” e, sobretudo, José Bonifácio de Andrada e Silva, o principal ministro de D. Pedro que, sabendo aguardar o instante próprio para o golpe final, preocupado em salvaguardar a unidade brasileira visando impedir uma fragmentação política como a da América espanhola, tornaram possível o nascimento de uma nova nação.

Portanto, o 7 de setembro deve ter para nós um profundo significado, na medida em que simboliza a resolução final, tão corajosa e civicamente explicada na legenda “Independência ou Morte”! Este grito, proferido na colina próxima ao riacho Ipiranga, foi a proclamação ostensiva, franca, diante da qual vimos surgir uma nova era para os nossos destinos.