PRODIGALIDADE DO PRIMEIRO IMPERADOR

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Muito mais largo e dadivoso que o segundo, foi o nosso primeiro Imperador, na distribuição de títulos, honrarias, benesses, laúreas.

Pelo menos três fatores podem ter colaborado nessa explosão de prodigalidade:

Em primeiro lugar, o temperamento arrebatado, irrequieto e transbordante de D. Pedro I, sempre com o coração na boca, com alma em festa, para quem a vida era um espetáculo permanente. Por certo a pujança do ambiente tropical calava fundo naquele temperamento muito especial.

Em segundo lugar, o fato de tudo estar ainda por fazer no nascente Império, depois de três séculos de modorra colonial, com a vida se passando em câmara lenta, sob o tacão implacável da Metrópole.

Para argumentar, ao ser proclamada a independência, poucas cidades possuía o país e as comarcas, compreendendo territórios incomensuráveis, mesmo com a multiplicidade de termos, não eram capazes de satisfazer convenientemente e em tempo hábil, os reclamos da Justiça. Aliás dessa praga nunca conseguimos nos libertar totalmente, mesmo apesar de todos os avanços nesses quase cento e oitenta anos de vida independente.

Salvo uma que outra exceção, as capitais das províncias, em 1822, eram vilas; Salvador era a única cidade da Bahia, Rio de Janeiro e Cabo Frio, as únicas da província fluminense.

Povoações por vezes pujantes e prósperas gramavam anos, até século, para passarem de freguesia a vila. A bem da verdade, só começou mesmo a haver uma aceleração nesse processo, depois da chegada da Família Real ao Brasil.

O terceiro fator seria o clima de festa e de regozijo do pós-independência, momento propício para que o Imperador distribuísse honrarias e entidades, corporações e lugares que se haviam destacado na pugna pela libertação do Brasil do jugo português.

Onze dias depois do 7 de setembro, de 1822, D. Pedro, ainda não aclamado Imperador, baixou dois decretos, com data de 18 de setembro, um, dando ao Brasil escudo de armas, e outro, determinando o topo nacional brasiliense e a legenda dos patriotas nacionais.

No primeiro decreto, D. Pedro, mencionando a emancipação política do Brasil, que então passava a “ocupar na grande família das nações, o lugar que justamente lhe compete como Nação Grande, Livre e Independente”, entendeu que o país não podia prescindir de um escudo real de armas, que se distinguisse daquele de Portugal e Algarves, até então em uso nesta banda do Atlântico, por força da Carta de Lei de 13 de maio de 1816.

Com base nesses e em outros argumentos, concebeu então o seguinte: “será d’ora em deante o Escudo de Armas deste Reino do Brasil, em campo verde uma esfera armilar de ouro atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circulada a mesma esfera de 19 estrelas de prata em uma orla azul; e firmada a Corôa Real diamantina sobre o Escudo, cujos lados serão abraçados por dois ramos das plantas de Café e Tabaco, como emblemas de sua riqueza comercial representados na sua própria cor e ligados na parte inferior pelo laço da Nação.”

No mesmo decreto ele criou a Bandeira Nacional com os seguintes características: “Composta de um paralelogramo verde e nele inscrito um quadrilátero romboidal cor de ouro, ficando no centro deste o Escudo das Armas do Brasil.”

No segundo decreto, D. Pedro determinou que o Laço ou Tope Nacional Brasiliense, fosse composto das cores emblemáticas – verde de primavera e amarelo de ouro – e, que a flor verde no braço esquerdo dentro de um ângulo de ouro, se tornasse a divisa da Legenda – Independência ou Morte – lavrada no dito ângulo”.

Pela Carta de 14 de novembro de 1822, o Imperador decidiu erigir em cidade a Vila de Porto Alegre da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, atendendo ao pedido do Deputado Francisco Xavier Ferreira, e, em retribuição “aos briosos feitos e sacrifícios, do povo que em diversas épocas tinham obrado a bem da Pátria, mas também pelo seu nobre entusiasmo e zelo da sagrada causa e Independência deste vasto Império e pelos seus puros sentimentos de fidelidade, amor e adesão a minha Augusta Pessoa.”

Ainda em 1822, a 1º de dezembro, o nosso primeiro imperante criou por decreto a Imperial Ordem do Cruzeiro, para “assinalar de modo solene e memorável”, o momento de sua Aclamação, Sagração e Coroação como Imperador Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor. Mas outros motivos levaram D. Pedro I a criar tal Ordem, quais fossem remunerar os serviços a ele prestados pelos súditos do Império e bem assim os estrangeiros, que haveriam de preferir tais distinções honoríficas em lugar de quaisquer outras recompensas; dar prova de sua consideração e amizade às pessoas de maior hierarquia e merecimento.

Também nesse 1º de dezembro de 1822, determinou que fosse substituída pela Coroa Imperial a Coroa Real que se achava sobreposta ao escudo de armas criado pelo decreto de 18 de setembro, já mencionado.

Dois decretos de 9 de janeiro de 1823 referiam-se especificamente à Capital do Império.

O primeiro concedia à Câmara da Cidade do Rio de Janeiro o tratamento de Ilustríssima, pelo esforço dispendido no episódio do “Fico”. O outro dava à cidade, em caráter perpétuo, o título de Mui Leal e Heróica, pelas “muitas e mui decisivas provas de patriotismo, lealdade e adesão à Minha Augusta Pessoa e à causa do Brasil.”

A 24 de fevereiro de 1823, o Imperador, querendo recompensar o esforço das províncias no rumo da independência, decidiu por decreto elevar todas as capitais destas, que fossem vilas, à categoria de cidade.

Pelo mesmo ato, desejando agradar particularmente as províncias de São Paulo e Minas Gerais e algumas povoações delas, pelo muito que fizeram em defesa do Brasil contra seus declarados inimigos, outorgou à cidade de São Paulo o título de Imperial; à Vila Rica, o título de Imperial Cidade de Ouro Preto; às Comarcas de Itú e Sabará, o título de Fidelíssimas; à Vila de Barbacena o de Nobre e Muito Leal.

Não obstante o caráter genérico da primeira parte do decreto de 24 de fevereiro, D. Pedro, pela Carta de 8 de março, resolveu especificamente mandar erigir em cidade a Vila de Alagoas, capital da província do mesmo nome. Os Alvarás de 17 de março confirmaram o que havia sido decretado em 24 de fevereiro, quando a Barbacena, São Paulo, Itú e Sabará.

É também de 17 de março a Carta que manda erigir em cidade a Vila de Fortaleza, capital da Província do Ceará, com o nome de Cidade da Fortaleza da Nova Bragança.

A Carta de 18 daquele mesmo mês dava à então Vila de Vitória, capital do Espírito Santo, o status de cidade.

E a de 20 de março elevava Vila Rica, capital da Província de Minas Gerais de Ouro Preto, sendo da mesma data a Carta que dava à Vila do Desterro, capital de Santa Catarina, foros de cidade.

Finalmente a 8 de abril, D. Pedro encerrava o ciclo de elevação de vilas capitais a cidade, contemplando São Cristovão, então caput da Província de Sergipe, que somente durante o segundo reinado teria Aracajú como sua nova capital.

O decreto de 16 de abril de 1826 criava a Ordem de Pedro I Fundador do Império, para que ficasse bem marcada a época em que foi reconhecida a independência do Brasil. As graduações, insígnias e estatutos seriam estabelecidos a posteriori pelo próprio Imperador.

Fechando essa exaustiva, mas bem significativa resenha, o Alvará de 13 de setembro de 1826 concedeu a S. Salvador, capital da Província da Bahia, o título de Leal e Valerosa.

Interessante que somente no que concerne à cidade do Rio de Janeiro, ficou explícito que a honraria de Mui Leal e Heróica lhe era concedida em caráter perpétuo. Entretanto, como todos esses títulos redundaram de ato de Império e não de gestão, penso que, apesar das intransigências e radicalizações da República, as cidades laureadas pelo antigo regime têm direito de continuar em pleno uso e gozo de seus títulos, honrosamente conquistados.

O tema é instigante e está em aberto para grandes discussões.