FELISBERTO MONTEIRO RIBEIRO NETO
Antônio Izaías da Costa Abreu, associado titular, cadeira nº 3, patrono Antônio Machado
Designado pelo ilustre e honrado Presidente deste Sodalício, Professor Joaquim Eloy dos Santos, para proferir, na data de hoje, palestra sobre o bicentenário da transmigração da Família Real ao Brasil, senti-me surpreendido, ao receber, na última quarta feira, convite para comemoração do centenário de nascimento do saudoso acadêmico e particular amigo, Desembargador Felisberto Monteiro Ribeiro Neto, indicando-me como o orador deste evento.
De início, verifiquei duplo equívoco, posto que o assunto ventilado não era a celebração do bicentenário da vinda da Família Real ao Brasil, nem mesmo o centenário do homenageado, eis que veio ele ao mundo em 12 de fevereiro de 1917.
Em sendo assim, apesar de não estar devidamente preparado para tal missão, embora honrado com o convite, coloquei-me na situação do patriarca Abraão, quando, no cimo do Monte Mariá, no Hebron, há milênios, recebeu do Senhor a incumbência de pregar o Evangelho aos gentios.
Como o patriarca, eu, sendo o menos indicado para tal mister, piedosamente, perguntei: “Senhor, porque me colocastes o fardo de tão difícil missão?”. O Senhor disse-me, em resposta: “Não temeis porque fostes o escolhido”.
Assim, como Abraão, que não pôde recusar a missão que lhe fora confiada, eu também, neste momento, não posso e não devo, em obediência ao digno Presidente e querido amigo, eximir-me de tão grande honraria.
Pensei, inicialmente, face à exigüidade de tempo e aos inúmeros afazeres, à conclusão do livro “Comarcas Fluminenses”, já previamente convencionado com o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para 12 de dezembro próximo, em solicitar adiamento da palestra, contudo, não ousaria decepcionar os presentes com a minha ausência.
Na verdade, é sobremodo honroso para mim, mesmo diante de tantos percalços já mencionados, discorrer nesta engalanada noite sobre a inigualável figura de Felisberto Monteiro Ribeiro Neto, erudito jurista, um dos mais respeitáveis desembargadores do antigo Tribunal do Estado do Rio de Janeiro e da mesma Corte de Justiça, após a fusão das duas unidades federativas.
Não obstante não haver deixado nenhum trabalho jurídico, legou-nos com a justeza de suas decisões, bem elaboradas sentenças e primorosos acórdãos, que sempre serviram de parâmetros aos seus pares, juízes, advogados, promotores de justiça e a todos aqueles voltados à carreira jurídica.
Filho de Arthur Monteiro Ribeiro da Silva e Maria José Monteiro Ribeiro, de quem recebeu os melhores exemplos de dignidade, honradez e amor ao trabalho, veio ao mundo, como já me referi, em 12 de fevereiro de 1917, na Fazenda São José, Paraíso do Tobias, Distrito de Miracema, neste Estado, também terra de minha genitora e residência por mais de 50 anos de meus avós.
Consorciou-se, aos 23 anos, na data de seu natalício, com sua prima Lígia Maria Boechat Ribeiro, natural de Juiz de Fora – Minas Gerais, filha do casal Álvaro Boechat e Maria Inês Boechat.
Do consórcio, tiveram quatro filhas: Marília, Maria Inês, Lígia e Maria José, casadas, respectivamente, com Ary Carlos Xavier Veloso, Altanir Jaime Gava, Antônio Carlos de Freitas e José Carlos Xavier Messa.
Cursou o primário na terra natal e os preparatórios em Niterói, bacharelando-se em 1938, com 21 anos de idade, pela Faculdade de Direito daquela cidade, tendo sido colega de turma de Macário Picanço e Aníbal Amin, entre outros, sendo um dos primeiros miracemenses a se projetar nas atividades da advocacia e, bem assim, o primeiro filho da terra a alcançar o galardão do mais alto posto judiciário estadual.
Estabeleceu-se com banca de advocacia em Miracema, tendo militado, também, nos auditórios das comarcas de Santo Antônio de Pádua, Cambuci, Itaperuna, Leopoldina e Palma, as duas últimas no Estado de Minas Gerais.
Serviu, durante algum tempo, como Juiz Substituto na Comarca de Cambuci e, depois, por concurso público, em que obteve elogiável classificação, ingressou na magistratura em 15 de julho 1952, juntamente com Amaro Martins de Almeida, Rivaldo Pereira dos Santos, Roque Batista dos Santos, Abeylard Pereira Gomes, Luiz Henrique Steele Filho e outros, tendo, como primeira comarca, a de Santa Maria Madalena, onde permaneceu por pouco mais de um ano, ou seja, até 13 de agosto de 1953, removendo-se, então, para Comarca de Cantagalo, onde atuou por quatro anos, com breve passagem pela de Itaperuna.
Promovido, por merecimento, à 3ª entrância, ocupou a titularidade da Vara Criminal da Comarca de Campos dos Goytacazes, até a sua remoção, em 1º de agosto de 1960, para a 2ª Vara Cível.
Em 26 de abril de 1962, passou à titularidade da 1ª Vara Cível da Comarca de Petrópolis, onde atuou por oito anos, deixando traços indeléveis de sua admirável conduta como magistrado e cidadão, tendo conquistado a estima, o respeito e a consideração dos advogados, dos promotores de justiça, dos defensores públicos, serventuários e funcionários em geral, bem como de toda a imensa gama de jurisdicionados.
Alçado ao Tribunal de Justiça do antigo Estado do Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1969, tive a honra de fazer, em nome dos advogados de Petrópolis, a entrega de sua toga.
Fez parte de bancas examinadoras de concurso para ingresso na magistratura.
Serviu àquela egrégia Corte, ao lado de fraternos amigos, dentre eles Amaro Martins de Almeida, Romeu Rodrigues Silva, Paulo Castilho, Plínio Pinto Coelho, Roque Batista dos Santos, Enéas Marzano, Jalmir Gonçalves da Fonte e Décio Ferreira Cretton.
Eleito Corregedor-Geral da Justiça, em 1975, exerceu a função até serem extintos os Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara, em virtude da fusão das duas unidades da Federação.
No biênio 1979/1980, elegeu-se 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do novo Estado do Rio de Janeiro, tendo por diversas vezes ocupado a Presidência, nas eventuais ausências do titular, Desembargador Carlos Luiz Bandeira Stampa. Por mais de três décadas, prestou relevantes serviços ao judiciário fluminense, tendo, em decorrência de seus méritos, sido alvo de inúmeras homenagens e condecorações.
Professor de Português e História e respeitado latinista, lecionou essas matérias nos Colégios Miracemense e de Cantagalo, e Processo Civil na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis.
A sua pontualidade nos atos de sua vida era uma constante. Suas magistrais aulas e audiências começavam religiosamente no horário designado. Era um afeito ao formalismo, o que comprova a sua envolvência ao rigor e ao cumprimento de suas obrigações.
Em 1973, reconhecendo o povo de sua terra as excelsas virtudes do filho ilustre, fez colocar, no saguão do Fórum daquela Comarca, a sua efígie em bronze – o maior tributo que lhe poderia ter sido prestado por seus conterrâneos, como ele mesmo afirmava. Também o Tribunal de Justiça, reconhecendo o seu grande trabalho prestado ao judiciário fluminense, procurou através do Órgão Especial dar ao Fórum de Petrópolis o seu nome.
Agraciado com inúmeros títulos e comendas, entre elas a do Mérito Judiciário e a Medalha de Koeler, a mais alta condecoração conferida pelo Município de Petrópolis, foi membro de várias academias, destacando-se a Petropolitana de Letras, a de Letras Jurídicas de Petrópolis e a Friburguense de Letras.
Na vida particular, distinguiu-se pelo culto à família e dedicação aos amigos. Católico fervoroso, participava semanalmente e, em dias santificados, da Santa Missa. Congregado da Ordem de São Francisco de Assis, trabalhava obscuramente como bom cristão, compartilhando, através de ajuda financeira, com os infortúnios daqueles que mais necessitavam.
Embora ligeiramente acometido de tartamudez, era um orador primoroso, de palavra fácil e fluente, o que impressionava a todos pela riqueza vocabular e cultural.
Tenho grandes saudades de Felisberto Monteiro Ribeiro Neto, meu amigo, meu conselheiro e grande incentivador em minha vida, quer antes, quer após o meu ingresso na magistratura, o que ocorreu por sua insistência, cujo passamento se deu em 5 de novembro de 2001, nesta cidade de Petrópolis.
Igual saudade deve atingir ao casal amigo Miguel Pachá e Léa. Dificilmente passava uma semana sem que nós o visitássemos. Ao definir a personalidade do homenageado, o traço característico de Felisberto Monteiro Ribeiro Neto era, sem dúvida, o amor ao trabalho e ao próximo, o seu desprendimento pelas coisas materiais, o prazer em praticar o bem e servir aos amigos e semelhantes.
Pelos momentos de nossa longa convivência, muito teria a falar sobre este saudoso acadêmico, mas o tempo não me permite maiores delongas.
Ao lembrar de Felisberto, vejo-me como o Apóstolo Jeremias, a chorar junto às ruínas fumegantes de Jerusalém, mas minhas lágrimas são outras, pois são lágrimas de saudade do amigo que há 7 anos nos deixou para juntar-se aos justos celestes.
Senhor Presidente, não sei se me desincumbi da missão confiada, tal qual o fez o patriarca Abraão.
Se não alcancei esse objetivo, esforcei-me em obedecer ao que me foi determinado, só me restando agradecer a paciência de todos deste seleto auditório, quando se presta a mais justa homenagem ao titular da cadeira nº 18, o saudoso Felisberto Monteiro Ribeiro Neto, pelos 90 anos de seu nascimento.