Discurso de posse do associado titular Gastão Reis

Gastão Reis, Associado Titular, Cadeira n.º 40 – Patrono Yeddo Fiuza

 

Num primeiro momento, falar sobre o patrono da cadeira 40 que vou ocupar, Yêddo Daudt Fiúza, causou-me um certo constrangimento.  Seu perfil político parecia muito distante do meu, defensor que sou da monarquia parlamentar. Depois, investigando mais a fundo, através da tese de mestrado de Priscila Musquim Alcântara de Oliveira, intitulada O Candidato do PCB: A trajetória política do engenheiro Yêddo Fiúza – 1930-1947, defendida em 2012 na UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora, confesso que passei a vê-lo com outros olhos, reconhecendo aspectos positivos em sua trajetória de vida, ainda que mantendo discordâncias de fundo.

Yêddo Fiúza nasceu em Porto Alegre em 15 de setembro de 1894. Era filho de Adolfo Fiúza e de Maria Luisa Daudt Fiúza. Era primo de João Daudt d’Oliveira, futuro presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), no período 1942 a 1951, e também da Confederação Nacional do Comércio, de 1946 a 1947. Foi através da família Daudt, de sua mãe, muito bem articulada nos meios empresariais e políticos, que Yêddo acabou galgando posições de relevo na vida pública do país, sem com isso querer desmerecer sua competência profissional e sua capacidade de fazer acontecer.  

Foi no Colégio dos Jesuítas de Porto Alegre que fez seus estudos do ciclo básico, formando-se mais tarde pela Faculdade de Engenharia de Porto Alegre. Cabe notar que esta seguiu a tradição alemã da Universidade Humboldtiana de entrelaçar pesquisa com formação profissional, que certamente adicionava à formação teórica a prática tão importante na formação de um bom engenheiro.

Na parte inicial de sua tese, Priscila de Oliveira, enfoca a questão do papel do indivíduo na História. Ela nos fala da posição de Marx, relembrando que não é uma questão bem resolvida na abordagem marxista, que destaca o papel da estrutura sócio-econômica e da classe social em que o indivíduo está inserido. Menciona as posições de Plekhanov e de Trotsky. O primeiro via o indivíduo, segundo a visão de Marx, como mero representante de forças sociais e da tendência histórica da época. Já Trotsky destaca o papel da liderança individual no desenrolar da História.

Na sua tese, Priscila de Oliveira cita o historiador Valério Arcary que nos fala de Trotsky. Este teria dito que, sem Lênin, a oportunidade histórica do bolchevismo poderia ter sido perdida. Sem dúvida, a presença de espírito de Lênin, foi importante. Mas me parece fundamental uma outra conversa de Trotsky com Lênin, que não foi mencionada no relato da tese. Trotsky propôs a Lênin a criação do Exército Vermelho, usando na cadeia de comando os oficiais czaristas. Lênin reage, dizendo que eram todos monarquistas e perguntando como confiar neles? Seria suicídio. Trotsky responde, maquiavelicamente, que era muito simples: “Deixarei claro para os oficiais que qualquer traição por parte deles implicaria no extermínio de suas famílias”.  E Lênin concorda, dando aquele sorrisinho diabólico. Esta decisão foi, sem dúvida, a que acabou por consolidar a Revolução Russa, e a estreia do totalitarismo no palco da História, em que o Outro, aquele discorda de nós, passa a ser eliminado. No momento atual, voltou à cena com o rótulo da cultura do cancelamento. Censura seria a palavra correta.

Na verdade, este pequeno introito sobre o papel do indivíduo na História por parte da autora da tese foi justamente para ilustrar como o indivíduo e suas articulações em geral, e em particular as familiares, podem ter papel fundamental no histórico de vida das pessoas. Lembrei-me do caso da Editora Vozes e do frade franciscano que trouxe para Petrópolis uma prensa em estado deplorável. Ele, com suas habilidades mecânicas, conseguiu consertá-la, e dar início a publicações de cunho religioso da Vozes. Este caso ilustra bem o caso de como uma única pessoa pode fazer toda a diferença. E, obviamente, mandar Marx às favas na negação do indivíduo.

Voltemos ao caso da família Daudt, que ilustra, de modo específico, a questão levantada. O farmacêutico patriarca da família era João Daudt Filho, que cursou a Faculdade de Farmácia do Rio de Janeiro. Ele recebeu ajuda financeira da mãe de Yêddo Fiúza para levar adiante seus estudos e se formar. Extremamente hábil, manteve relações de amizade com grupos rivais como o republicano Julio de Castilhos e o liberal e monarquista Gaspar Silveira Martins. Espertamente, não possuía filiação partidária, mas era suficientemente inteligente para saber quem era amigo e quem era inimigo. Conviveu também com Getúlio Vargas, com o republicano Francisco de Assis Brasil e com o mineiro Gustavo Capanema, que foi ministro da Educação e Saúde de Vargas. Suas articulações políticas se davam no mais alto nível.

Cristiane Pistóia, em sua dissertação de mestrado pesquisou a violência física, material e moral no Rio Grande do Sul em fins do século XIX e início do século XX. Este clima de briga entre famílias gaúchas importantes motivou a mudança de Yêddo Fiúza e familiares para o Rio de Janeiro em 1925.

No ano de 1928, o clima político estava bastante tenso em função da conhecida política do café com leite, em que paulistas e mineiros se alternavam na presidência da república ao longo de décadas. A insatisfação dos gaúchos e nordestinos, excluídos do processo, levou à formação da Aliança Liberal. Para agravar a situação, Washington Luis, então presidente, se recusou a assumir o empréstimo externo pleiteado por Minas Gerais. Essa situação fez com que os mineiros se aproximassem dos gaúchos, que propunham candidatura própria de seu líder Getúlio Vargas.

A Aliança Liberal (AL) propunha um programa que incluía reforma eleitoral, criação da Justiça Eleitoral, moralização dos costumes e garantia das liberdades individuais. É fato que a AL reunia elementos das elites tradicionais, mas sem excluir a renovação que se fazia necessária, abrindo espaços para novas lideranças políticas. Até aqui, a coisa parecia ir na direção correta. Não foi bem o que ocorreu depois. Estourou a Revolução de 1930, com Getúlio Vargas à frente, seguida da ditadura varguista (explícita) de 1937 até 1945.

Foi nessa época, em 1930, que João Daudt d’Oliveira sugeriu a Vargas o nome de seu sobrinho Yêddo Fiúza como interventor na cidade de Petrópolis. O prestígio do tio era de tal ordem que Vargas lhe ofereceu o cargo de interventor no DF – Distrito Federal, a capital do país, que era então o Rio de Janeiro. João Daudt d’Oliveira, entretanto, não aceitou. Ele preferiu ficar na ACRJ – Associação Comercial do Rio de Janeiro, eleito que foi mais tarde para sua presidência. Na ACRJ, ele criou o Departamento Cultural e o Instituto de Economia para realizar pesquisas no setor econômico, duas iniciativas positivas. Ele lançou ainda a Campanha “Uma associação comercial em cada município”. E substituiu a expressão “classes conservadoras” por outra que lhe pareceu mais apropriada: “classes produtoras”. A rigor, não era bem o caso.

A nomeação de Yêddo Fiúza como interventor em Petrópolis, em 1930, ocorreu em função do seguinte quadro político. Logo após a deposição de Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, assumiu o governo uma junta provisória que, pouco depois, em 3 de novembro, deu poderes plenos Getúlio Vargas como chefe do executivo federal. Em 11 de novembro, o governo Vargas promulga o decreto 19398, que lhe dá poderes discricionários até a instalação da constituinte. O poder legislativo é dissolvido nos três níveis de governo. Vargas passa então a governar por decretos-lei. Na prática, uma ditadura que só veio formalmente em 1937 com o rótulo de Estado Novo.  

Em Petrópolis, em 1929, dois candidatos, Ari Barbosa, do Partido Republicano Fluminense, perdeu a eleição por 17 votos para Antonio José Romão, do Partido Republicano do Rio de Janeiro. A junta apuradora do pleito não lhe reconheceu a vitória e acabou dando posse, por manobras políticas, a Ari Barbosa, reconhecido como prefeito eleito. Antonio José Romão recorreu à Justiça sem conseguir ganho de causa. O prefeito “eleito” enviou à Câmara Municipal um relatório que expunha a situação falimentar do município, pedindo ajuda a esferas superiores de governo. Dadas essas circunstâncias, foi baixado um decreto de Vargas nomeando Fiúza interventor em Petrópolis.  

Yêddo Fiúza tinha, sem dúvida, um histórico de vida diferente em relação aos vícios crônicos da República Velha (1889 a 1930). Ele fez parte de uma geração que propunha dotar de formação técnica os quadros de carreira do serviço público. Visivelmente, uma reação às práticas da República Velha em que as nomeações se davam por apadrinhamentos políticos sem que os beneficiados tivessem os atributos necessários à boa execução de suas funções. Foi o embrião dos concursos públicos, que passaram depois a dominar a cena até hoje. A ressalva que pode ser feita é que galgar um cargo público por meio de concurso não garante o bom desempenho a longo prazo do funcionário. Estabilidade sem avaliação externa regular explica a insatisfação que manifestamos quando necessitamos dos serviços públicos em geral.

Logo após a vitória da Revolução de 1930, Fiúza acabou se beneficiando de uma das primeiras medidas tomadas pelo Governo Provisório: a instituição sistema de interventorias inspirado nas reivindicações tenentistas. A ideia era o poder central controlando o poder local para dar combate às oligarquias. Na época, o Jornal de Petrópolis lembrou e defendeu o rudimentar direito reconhecido pela suserania inglesa aos municípios de sua colônia, a Índia: a de serem governados por seus filhos.

Podemos ainda relembrar a tradição de séculos dos concelhos, com “c” de Portugal, que garantia o princípio da subsidiariedade: problemas locais devem ser resolvidos pelos munícipes. Um princípio que vigorou em todo o período colonial brasileiro. De cada cem cruzados arrecadados naquela época, 70 permaneciam no município e apenas 30 iam para a Coroa portuguesa. Hoje, o governo federal cobra mais caro: em média, de cada 100 reais arrecadados num município brasileiro, ele retém cerca de metade, ou seja, 50 reais!

Ainda que o apoio em Petrópolis à Aliança Liberal de Vargas não tenha sido entusiástico por parte da imprensa local e do empresariado, é fato que não lhe faltou apoio popular. Fiúza, em seu discurso de posse, deixou claro que estava ciente do problema. Disse ele: “Tenho bem consciência do ambiente que vou enfrentar, para isso não me faltará a energia (…) para dentro da justiça e das leis morais e no terreno ativo dos ideais revolucionários atacar de rijo os magnos problemas de Petrópolis”. Ele, de fato, buscou se cercar de auxiliares locais que tivessem clara noção de suas responsabilidades e de seus misteres.

Um de seus primeiros atos como prefeito-interventor foi abrir concorrência para publicação nos jornais da cidade dos atos oficiais. O Jornal de Petrópolis, em 25 de dezembro de 1930, revê sua oposição à Fiúza, e publica a manchete: “Uma providência legal e moralizadora”, que poderia lhe beneficiar já que a Tribuna de Petrópolis monopolizava as publicações da prefeitura. A própria Tribuna de Petrópolis, que via Fiúza como um estranho no ninho petropolitano, em 3 de janeiro de 1931, acaba elogiando a nomeação da prata da casa, o advogado e jornalista José Pellini, como secretário da Prefeitura Municipal de Petrópolis.

E não fica só nisso. Vai adiante, afirmando que Yêddo Fiúza “havia realizado obras de grande valor Brasil afora, e, em todas elas, dando provas de sua grande competência técnica e de seu tino administrativo”. O mote de Fiúza era, de fato, uma administração técnica, sem politicagem. Procupou-se em reduzir os gastos públicos. A legislação vigente sugava para o estado cerca de 70 mil contos de réis dos cofres municipais. Fechou escolas, alegando a proximidade de umas às outras, levando em conta o baixo número de alunos nas que foram fechadas. Mencionou o fato de professores que não tinham alunos, mas recebiam. Demitiu 28 servidores para cortar gastos.

As críticas pipocaram. Paulo Monte, jornalista, publicou a manchete: “Não se faz economia com a educação do povo”. Na verdade, Fiúza estava apenas buscando tornar mais eficiente o gasto público, pois não deixou alunos sem professor. Ari Barbosa, prefeito que o antecedera, respondendo a críticas à sua gestão por Fiúza, que ele poderia ter-lhe chamado para prestar esclarecimentos. Fiúza também chamou a si a fiscalização das escolas, tendo ainda funcionado como procurador jurídico da prefeitura. Mas foi, de fato, uma gestão caracterizada por uma concentração de poderes no executivo municipal.           

Em janeiro de 1931, representantes do comércio pedem a manutenção do veraneio presidencial na cidade. Por intermédio de Fiúza, Getúlio Vargas atende ao pedido em 16 de março de 1931, e permaneceu na cidade por 36 dias. A amizade entre Fiúza e Vargas, que se consolidou, contribuiu para que Fiúza passasse a ter o apoio da elite empresarial de Petrópolis.

Um marco da administração de Fiúza foi o pedido de revisão do contrato que o Banco Construtor do Brasil (BCB) mantinha com a Prefeitura para o fornecimento água e energia à cidade. Fiúza alegou que o BCB não prestava tais serviços adequadamente. A reação da imprensa local, Tribuna de Petrópolis e Jornal de Petrópolis, foi a favor do BCB. Mas Fiúza resistiu, e não renovou, tendo obtido o apoio de Vargas, nos seguintes termos: “Autorizo a PMP a fazer a revisão do contrato com o BCB e, se esta não for possível, a rescisão”. Fortalecido, Fiúza, em 31 de maio de 1934, municipalizou as instalações do BCB em Petrópolis, expropriando a empresa de seus bens no município e das rendas provenientes dos serviços. A Prefeitura passou a cobrar água e energia. A despeito da imprensa local ser contra Fiúza, ele obteve forte apoio popular. Na época, a ilusão do governo todo-poderso estava no auge.

Cabe lembrar aqui as décadas perdidas pelo país com essa visão de governo-faz-tudo. Melhorias de curto prazo são sempre seguidas de brutais ineficiências de longo prazo. O histórico das companhias estaduais de telefonia fala por si mesmo. Basta lembrar dos tempos dos planos de expansão em que o usuário pagava antecipadamente a sua linha, normalmente em 24 meses, financiando o investimento que deveria ser feito pela concessionária, e, mesmo assim, o telefone não costumava ser instalado dentro do prazo estabelecido. Ineficiência administrativa e corrupção explicam o drama.

A exoneração de Yêddo Fiúza pelo interventor estadual Ari Parreiras, nomeando um novo interventor para Petrópolis provocou mobilização popular e de lideranças da União Progressista Fluminense (UPF), um partido que o apoiava. O novo titular simplesmente não conseguiu tomar posse. Fiúza havia se fortalecido politicamente por suas iniciativas como prefeito municipal. Seu prestígio estava em alta a ponto de ser convidado para ser mediador na greve geral de 1935 ocorrida na cidade. Vinte e oito fábricas foram paralisadas com adesão de comerciantes, padeiros e ferroviários. Foi violenta, com troca de tiros e morte do operário Leonardo Candú, militante da ANL – Aliança Nacional Libertadora, cujas bandeiras eram: cancelamento das dívidas externas; plena liberdade e direito de manifestação popular; reforma agrária; e anulação de total das dívidas agrícolas.

De outro lado, estavam os integralistas, propulsores dos ideais da AIB – Ação Integralista Brasileira comandada por Plínio Salgado. Era uma luta entre aliancistas e integralistas que se deu no centro de Petrópolis. A ANL e a AIB, na verdade, conseguiram galvanizar a mobilização das massas populares. Era uma novidade na república, onde a política partidária era caracterizada por alta dose de elitismo e pouco envolvimento da opinião pública. Entre 1934 e o segundo semestre de 1935, o momento era de grandes mobilizações sindicais, com aumento das greves e expressiva participação de trabalhadores organizados na ANL pela democratização do Brasil. Eram os oponentes políticos dos integralistas da AIB a quem rotulavam de fascistas.

O integralismo em Petrópolis estruturou-se na época em que Yêddo Fiúza ocupava o poder executivo na cidade, mas ele sempre manteve postura de neutralidade em relação à AIB.

Para finalizar, cabe mencionar a candidatura, em 1945, de Yêddo Fiúza a presidente pelo PCB – Partido Comunista Brasileiro, comandado por Luis Carlos Prestes. O lado esdrúxulo era o PCB propor a candidatura de Fiúza sabendo que ele não era comunista. Ele de definia como “um técnico envolvido com seus problemas profissionais que, em determinado momento, se envolveu em atividade política, mas não possuía ligações partidárias”. Acabou concordando em ser candidato porque o PCB na época defendia a tese da união nacional para se chegar a uma verdadeira democracia. O PCB também se opunha às duas candidaturas militares do gal. Eurico Gaspar Dutra e do brigadeiro Eduardo Gomes, dando preferência a uma alternativa civil.

Durante a campanha, foi duramente combatido pelo jornalista Carlos Lacerda, que chegou a lançar um livreto intitulado “O Rato Fiúza”, que era um epíteto que ele não merecia. Lacerda sabia que Stálin ainda comandava o movimento comunista internacional. A orientação que dava aos partidos comunistas em qualquer país era para prometerem qualquer coisa para chegar ao poder, inclusive mentir e até matar. Uma vez lá, instalariam a ditadura do proletariado. Sabedor do poder do fuzil, Stálin criou o comissário político que acompanhava pari passu as atividades dos oficiais-comandantes no dia a dia. Era a ditadura do proletariado sobre os militares para se manterem fiéis, o lado prático da “doutrina” Trotsky já mencionada no início.

Em 1947, Fiúza candidatou-se a prefeito de Petrópolis pelo Partido Socialista Brasileiro, mas não conseguiu se eleger. Em 1950, com a eleição de Vargas para presidente foi nomeado para o Departamento Nacional de Águas com o objetivo de elaborar um plano para abastecer o Distrito Eleitoral a curto prazo, drama que só foi resolvido com a construção do Gandu por Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara.  Após o suicídio de Vargas, em 1954, foi colocado a disposição do então DNER sem voltar a ocupar qualquer função pública.

Levando em conta seu perfil técnico interessado em resolver os problemas da população e o respeito pelo bom uso do dinheiro público, seu saldo de vida foi, sem dúvida, bastante positivo. Faleceu em 12 de fevereiro de 1975. Era casado com Maria Teresa Sampaio com quem teve dois filhos.

 Tenho dito!

BREVE HOMENAGEM AO PROF. NEY VERNON VUGMAN,  MEU ANTECESSOR NA CADEIRA Nº 40, CUJO PATRONO É YÊDDO FIÚZA     

Homenagear o Prof. Ney Vernon Vugman acabou sendo uma tarefa mais instigante do que parecia à primeira vista. As razões ficarão claras ao longo dessa breve homenagem. Comecemos com um sucinto curriculum vitae.  

Sua graduação foi em Psicologia pela Universidade Estácio de Sá (2007), especialização em Psicodrama pela Delphos Espaço Psico-Social (2009), graduação em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1967), mestrado em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1970), doutorado em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1973), pós doutorado no King´s College em Londres. Tem experiência na área de Física, com ênfase em Física da Matéria Condensada utilizando a técnica de Ressonância Magnética. Atualmente está aposentado como Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e dedica-se ao trabalho clínico e educacional com Psicodrama.

Além do português, domina bem quatro línguas: inglês, francês, espanhol e italiano. Sua área de atuação é a das Ciências Exatas e da Terra, com foco em física, e subárea em Física Atômica e Molecular. Participou de inúmeros eventos em sua área de atuação, foi orientador de 23 teses e publicou cerca de 211 artigos acadêmicos. Ou seja, em relação à famosa regra do “Publish or perish” da academia americana, ou seja, “Publique ou morra”, em tradução livre, ele optou por viver em grande estilo.

Dado o tempo curto de que disponho, preferi abordar um artigo publicado por ele, em 2013, intitulado “Entre a ciência convencional e a neociência conscienciologia”.  O sumário é o seguinte: “A partir de uma perspectiva diacrônica [através do tempo] da História da Ciência, o autor focaliza as mudanças paradigmáticas [regras científicas comumente aceitas] ocorridas no mundo ocidental desde a Antiguidade, englobando tanto a ciência convencional quanto a neociência Conscienciologia. Ao tratar do problema da demarcação entre ciência e pseudociência o autor aplica o princípio da refutabilidade de Karl Popper [só seria conhecimento científico aquilo que pode ser testado] ao arcabouço dos conhecimentos conscienciológicos e, ao tratar de forma dialética [lógica] o problema da morte humana, sugere o caráter científico da neociência Conscienciologia.

O Prof. Ney Vugman nos relembra, inicialmente, que “todo o progresso científico se processa no binômio consenso/dissenso em torno de paradigmas vigentes, ou seja, das regras comumente aceitas pelos cientistas. E ainda que o momento revolucionário se inaugura no dissenso (Leal 2005), no atravessamento do conhecido pelo desconhecido e em todo o desarranjo das  regras do jogo na busca de novos fundamentos do conhecimento e novas interpretações para o paradigma em crise, ou seja, o referencial até então seguido por todos.

Um bom exemplo é o que ocorreu com a física clássica estabelecida por Isaac Newton para o macrocosmo, o paradigma até então estabelecido, e o nascimento da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, que revelou leis físicas do microcosmo que a física newtoniana não explicava. Mas dois paradigmas podem conviver por certo tempo ou por muito tempo ou até gerar uma síntese dialética de ambos.

Antes de Karl Popper, a distinção era o critério da verificabilidade experimental ou lógica. Popper estabeleceu que “uma afirmação ou teoria pode ser considerada científica se e somente se for refutável”. Ou seja, se ela puder ser testada. Caso contrário, não seria campo de estudo científico. Mas Popper faz uma ressalva interessantíssima: “O que foi uma ideia metafísica ontem pode tornar-se uma teoria científica testável amanhã, e isto acontece com frequência”. Mas para Popper, de um modo geral, a metafísica e a teologia não seriam campos de estudo científico. Não há, de fato, como testar o mistério da Santíssima Trindade. Mas, como vimos, não chega ao extremo de invalidá-las.

Em determinado parte do artigo em tela, Vugman nos diz que a ciência aristotélica bania a experimentação, o que me surpreendeu, pois existe texto de Aristóteles em que ele reconhece a experimentação como critério final da verdade. Menciona ainda a Idade Média como um período obscuro, o que não é hoje exatamente consensual. A preservação dos textos clássicos gregos que nos chegaram pelos árabes foi por intermédio de monges copistas que os preservaram para a posteridade. Mais que isso, houve mesmo, contribuições importantes nas ciências que nasceram na Idade Média.

O artigo é extremamente rico em fornecer informações sobre gregos e romanos. Homem virtuoso, naqueles tempos, era aquele que provinha de uma linhagem aristocrática. Possuía terras, rebanhos, casa, escravos e tinha riqueza e força para defender suas posses. Para os gregos, homens pobres e virtuosos simplesmente não existiam, visão que nos surpreende hoje.

Ao tratar do problema da justiça e do significado da virtude, Sócrates nos diz que a virtude pode ser encontrada “a partir de homens e mulheres que compreendam as verdades da religião”. Virtudes não podem ser explicadas, mas sim como algo concebido intuitivamente”. Sócrates, pelo jeito, entendia a linguagem do coração. E aqui podemos voltar à questão da concienciologia.

Segundo Platão, o homem deveria viver tão justo e honrado quanto possível. Vugman nos diz que a autopesquisa e a hipótese da imortalidade da consciência estão na base da conscienciologia. Segundo ele, “projeções lúcidas da consciência determina a identidade da Consciência e pode ser considerada como o pilar do método científico da Conscienciologia”.  

 Ele menciona ainda três princípios: o da autoridade, o magister dixit; o da refutabilidade de Popper; e o da descrença. Esta última é também uma proposição fundamental da Conscienciologia: não aceitar nenhuma ideia de modo apriorístico, dogmático, místico, sem reflexão e sem submetê-la a uma análise crítica, desapaixonada e racional. Vugman substitui a crença pelo conhecimento da racionalidade e da experiência pessoal. Nos ambientes concientiológicos, diz-se: “Não acredite em nada, nem mesmo no que lhe informaram aqui. Experimente, tenha suas próprias experiências pessoais”.

Na verdade, Vugman busca dar uma roupagem científica a um ramo do conhecimento que de um modo geral ficava fora do que se concebia como ciência. Não chegou a me convencer, mas diria que o texto é uma leitura enriquecedora pela clareza expositiva, mesmo que não se concorde com tudo.