A FAZENDA DA MANDIOCA

Alcindo Sodré, Fundador, Patrono da Cadeira n.º 2

No primeiro quartel do século XIX existiu na Raiz da Serra de Petrópolis uma propriedade rural denominada Fazenda da Mandioca. Seu organizador e primeiro proprietário foi um estrangeiro ilustre que realizou estudos científicos cortando em caravana os sertões do Brasil.

Nessa propriedade rural ele procurou desenvolver várias culturas, experimentou a colonização alienígena no trato da terra, e nela hospedou várias personalidades nacionais e forasteiras, sobretudo os grandes viajantes e escritores que em demanda de Minas Gerais, através o Córrego Secco, ali pernoitavam.

Esse estrangeiro, proprietário da Fazenda da Mandioca, era o barão Jorge Henrique de Langsdorff, médico pela Universidade de Goetingue, na Alemanha, e acatado entomologista. Consta ter nascido no Grão Ducado de Baden. Como médico do princípe Waldeck, seguiu-o a Portugal, quando este foi comandar o exército português ali introduzindo a prática da vacinação.

Voltando à Alemanha ofereceu seus serviços à Rússia e logo a seguir tomou parte na expedição do capitão Krusenstiern ao Kamtchatka.

Sob os auspícios do Imperador Alexandre I e nomeado cônsul geral da Rússia no Rio de Janeiro, foi incumbido de importante exploração científica pelo interior do Brasil. Trouxe então consigo para o Brasil o grande pintor Rugendas, o botânico Luiz Riediel, o astrônomo Ruszoff e o naturalista Ménetries. Enviou preciosas coleções naturais para o museu de São Petersburgo sendo agraciado Conselheiro de Estado e membro da Academia de Ciências da Capital russa, além de outras associações. Possuiu também entre nós uma residência na Corte situada em Santa Thereza onde dava grandes recepções à alta sociedade, ouvindo-se ali Neukon, organista da imperatriz Leopoldina. Remeteu certa vez para a Europa, mil e seiscentas variedades de borboletas e escreveu um “Guia para as pessoas que quiserem se estabelecer no Brasil”. Como chefe da expedição de naturalistas e astrônomos incumbidos pelo imperador da Rússia nos anos de 1825 a 1829 de S. Paulo atravessou Mato Grosso saiu no Amazonas e Pará. Dessa expedição fizeram parte, como desenhistas, Amadeu Adriano Tannay, que apareceu afogado no sertão de Mato Grosso e Hércules Florence, que escreveu em francês a narrativa da viagem e a quem se devem as notícias a respeito, pois nessa mesma expedição Langsdorff manifestou sintomas de loucura, seguindo diretamente para a Europa ao chegar a Belém, onde terminou sua operosa existência.

Langsdorff pagara quase mil libras pela Mandioca, fazenda de dez milhas quadradas, pouco antes de 15 de julho de 1817. Spix e Martius descrevem a Mandioca como possuindo um rancho espaçoso para caravanas de Minas, uma venda, um moinho para moer milho, e uma casa de dormir no estilo usual do país, construídos à margem da estrada. Estas pequenas casas de campo continham alguns quartos espaçosos com janelas laterais e uma varanda com pilares sustendo a coberta. Como os tijolos seriam caros, fizeram-se as paredes de barro. A natureza fornecia o material em abundância, e apenas a cal vinha de Cabo Frio. O nome da Mandioca proveio da planta que ali abundava. Era limitada ao noroeste por uma cadeia de montanhas cortadas por muitos desfiladeiros e coberta de florestas. No meio das florestas estavam os roçados nos quais depois de queimadas as árvores, eram plantados milho, feijão, café e batatas. Em 1819 tinha já plantados, vinte mil pés de café e a mandioca dera mil sacas de farinha no valor cada uma de oito a dez schillings. Em 1822 tentou fazer um núcleo colonial trazendo gente da Europa. Colocou ali quarenta alemães e suíços e como administrador em sua ausência o oficial bavaro J. Friedrich Von Weeck.

Saint-Hilaire escreveu “ser impossível, com efeito, encontrar uma localidade onde o naturalista pudesse fazer mais belas colheitas”. Pedro I gostava de caçar na Mandioca e a maior parte dos sábios que vieram visitar esta parte da América, por ocasião do primeiro casamento de Pedro I, passou alguns dias na Mandioca e ali recolheu muitos objetos interessantes.

Não houve um só dos inúmeros e celebres escritores da viagem Rio-Minas que deixasse de fazer referências à Fazenda da Mandioca, passagem forçada para o Córrego-Secco. A 14 de outubro de 1829 quando foi resolvida a mudança da Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas para a Raiz da Serra de Petrópolis, a fábrica veio ser localizada em terrenos que até então compreendiam as Fazendas da Mandioca, Velasco e Cordoaria.

E quem olhe hoje para o ponto onde se encontra a Fábrica de Pólvora, longe estará de imaginar a situação da antiga Fazenda da Mandioca que tão de perto esteve ligada às comunicações e à vida do antigo Córrego Sêcco, hoje cidade de Petrópolis.