A QUESTÃO DE LIMITES ENTRE OS ESTADOS DO RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS – II

Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito

Durante os anos oitenta do século passado, o assunto dos limites entre as províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, praticamente desapareceu dos relatórios e dos noticiários.

Na fala do Presidente fluminense Antonio da Rocha Fernandes Leão, em 8 de agosto de 1886, ficou consignado o seguinte:

“Não tendo na lei do orçamento os meios precisos para levar a efeito aquele trabalho, declarei ao Presidente de Minas em ofício de 11 de junho que oportunamente solicitaria da Assembléia Legislativa Provincial a decretação da verba necessária para a referida verificação, caso não fosse da competência do governo geral manda-la executar”.

Conforme se viu até aqui, essa tormentosa e arrastada questão de limites viveu de 1843 até o fim do Império num completo jogo de empurra, dos presidentes das províncias para as respectivas assembléias, que jamais votavam as verbas indispensáveis à demarcação e ao levantamento das plantas; e dos governos provinciais para o central, que por sua vez ouvia o Conselho de Estado, que custava a dar pareceres ou o fazia de forma insuficiente.

Mas há um aspecto em tudo isso que não pode ser descurado: o caráter unitário do Império brasileiro, que em grande parte jungia as províncias aos desígnios do governo geral, foi também um dos grandes responsáveis pela não solução em tempo hábil do problema lindeiro no norte fluminense.

Afinal, dentro do conceito, do espírito da Constituição de 1824 e da legislação dela decorrente, pouca diferença fazia se esta ou aquela porção do território de uma província estivesse sendo disputado por uma outra. Afinal tudo era Império do Brasil, que jamais deu espaço a qualquer vislumbre de federação.

Esse fato não passou desapercebido ao engenheiro Cypriano J. de Carvalho que, em memória apresentada ao Secretário de Obras Públicas e Indústrias do governo Maurício de Abreu, em 1º de agosto de 1897, registrou;

“A discriminação das divisas do Estado do Rio de Janeiro, tem constituído, desde muito, uma aspiração dos seus mais ilustres administradores e bem poderia ser hoje uma realidade se maiores houvessem sido em outros tempos, o prestígio e a autonomia provinciais”.

Foi com o advento da República e especialmente depois da Constituição Federal de fevereiro de 1891 e da Carta Estadual de abril de 1892, que o tema começou a ser estudado com maior seriedade.

Coube ao Presidente José Thomaz da Porciuncula, durante o seu profícuo triênio ( 1892/1894 ), ao criar a Comissão da Carta Corográfica do Estado, impor-lhe a tarefa de também cuidar dos interesses fluminenses no concernente à definitiva demarcação do seu território, quer em relação a São Paulo, que principalmente no que respeitava ao Estado de Minas Gerais.

Afinal o regime federativo implantado pela Republica, começava a ensaiar os seus primeiros passos, os Estados ganhavam autonomia e as questões lindeiras passaram a ter uma importância até então desconhecida entre nós, até por razões tributárias e fiscais.

Naquele relatório do engenheiro Cypriano J. de Carvalho, datado de 1º de agosto de 1897, lê-se:

“A Comissão ( da Carta Corográfica ) tem-se ocupado particularmente do estudo das faixas de terreno, interessadas pelas divisas com o Estado de Minas, na parte norte de nosso Estado, o qual brevemente estará terminado”.

A rede de triangulação abarcava a região do Pirapetinga, até a serra do Carangola. A base, com a extensão de 3 kms estava implantada paralelamente ao leito da estrada de ferro em Itaocara, antiga Aldeia da Pedra, à margem direita da Paraíba.

Tal a posição dos trabalhos cartográficos desenvolvidos na região lindeira com Minas Gerais no chamado norte fluminense, em agosto de 1897.

No ano seguinte, já no governo Alberto Torres, Hermogenio Pereira da Silva, então Secretário de Obras Públicas, por ato de 31 de maio, dispensou os membros da comissão da Carta Corográfica, porque faltavam ao Executivo os meios necessários para a realização do novo plano proposto.

Suspensos os trabalhos da Comissão, mais uma vez era adiado o deslinde da questão com Minas Gerais.

Em janeiro de 1899, Alberto Torres recebia em Petrópolis o delegado do governo de Minas Gerais, Dr. Xavier da Veiga, que aqui viera em busca de uma solução definitiva para a velha pendência de limites entre os dois estados.

A Gazeta de Petrópolis de 2 de fevereiro, registrou a visita, contando que o Dr. Xavier da Veiga havia proposto a modificação da cláusula 3ª do acôrdo firmado em 4 de julho de 1897.

O que realmente os mineiros queriam, era que prevalecesse o disposto no velhíssimo e nunca observado decreto 297 de 1843.

A propósito, declarara enfático o Presidente Alberto Torres, “que a linha divisória de 1843 nunca teve execução, por falta de medidas complementares, e que o aludido decreto, jamais recebera a aprovação do poder competente e que, portanto,, só havia a apelar para a posse que cada Estado mantivesse”.

Tal posse manifestar-se-ia pela jurisdição política, civil e administrativa que vinha sendo exercida na zona litigiosa pelo governo fluminense, arrematou o Presidente.

Para ele, os conflitos de fronteira somente desapareceriam através da execução das duas primeiras cláusulas do acôrdo de 1897.

Diante da inviabilização da primeira proposta, o Dr. Xavier da Veiga apresentou a alternativa da eliminação da cláusula 3ª do acôrdo, o que foi também rejeitado pelo Presidente Alberto Torres, porque eliminado esse item, anular-se-ia o objetivo visado pelo acôrdo, acrescendo ainda que este já havia sido aprovado pelo poder legislativo fluminense, faltando portanto competência ao executivo para altera-lo.

Na altura, ninguém vivia mais dentro dos estritos limites legais do que Alberto Torres, jurista emérito, para quem fora do Direito não havia qualquer solução para os problemas político-administrativos.

Em sendo assim, o Dr. Xavier da Veiga deu por encerrada a sua missão, lamentando o impasse e o prosseguimento das diatribes na zona em litígio.

Mas afinal, quais eram as cláusulas desse tão discutido acôrdo, que não havia completado siquer dois anos de existência ?

Eram as seguintes;

1º – A nomeação por ambas as presidências de uma comissão, composta de profissionais, notoriamente competentes e imparciais, a qual, com a máxima urgência e em prazo assinado, proceda ao exame da linha divisória de que trata o decreto ( de 1843 ) e verifique:

a) se ela corresponde geográfica, histórica, administrativa e politicamente ao fim a que foi destinada, de servir para limite incontestável aos dois Estados, ou

b) se há conveniência de interesse público na modificação da linha referida, de modo a prevenir toda e qualquer controvérsia entre os dois Estados, para o futuro, sobre seus limites;

2º – Que concluído o trabalho da comissão, conferenciem de novo as duas presidências, para o estudo deste a fim de resolverem, ad referendum do Poder Legislativo de cada Estado, o que for mais conveniente;

3º – Que durante o serviço da Comissão, seja respeitada por cada um dos Estados, para todos os efeitos legais, a posse do território que o outro presentemente mantém, ficando proibida qualquer inovação.

Era justamente esta última cláusula que inquietava o governo mineiro, quando do encontro de janeiro de 1899 em Petrópolis, entre o Presidente Alberto Torres e o representante das Minas Gerais.

Conforme vaticinava o Dr. Xavier da Veiga, as desavenças continuavam na zona em discussão, tanto que o relatório apresentado em 1º de agosto de 1899, pelo então Secretário do Interior e Justiça, Hermogenio Pereira da Silva, ao Presidente do Estado, constava a notícia da invasão do território fluminense, por parte das autoridades mineiras, a pretexto de atos de jurisdição e de fiscalização, para os quais não teriam a competência.

A 26 de junho daquele ano, ditas autoridades penetraram na fazenda Cachoeira Bonita, da viuva e herdeiros de Deodato Mendes Linhares e sendo aí, seqüestraram os bens do espólio, que eram objeto de inventário e partilha na justiça de Santo Antonio de Pádua, lugar da situação dos bens.

Era de se observar na altura, que o imóvel seqüestrado e um outro chamado Córrego Raso, sempre estiveram dentro do território fluminense, desde quando, Santo Antonio dos Tocos, atual Miracema, fazia parte da freguesia de São Fidélis, no município de Campos dos Goitacazes.

Já nesse tempo, a questão de limites entre os dois Estados estava submetida ao Supremo Tribunal Federal.