A REVITALIZAÇÃO DA PRAÇA DA INCONFIDÊNCIA EVOCA A LEMBRANÇA DA PRIMITIVA CAPELA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO
Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette
Petrópolis vive um momento muito especial com o Plano de Revitalização do Centro Histórico, desenvolvido pela Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Município.
Um marco na história de Petrópolis. Assim pode ser definido o referido Plano que já nos entregou a praça Dom Pedro e a Praça da Inconfidência inteiramente restauradas, o que demonstra que o Poder Público, na área municipal, felizmente, tem procurado resgatar nosso passado histórico. Isto é deveras elogiável e digno de registro, demonstrando maturidade e grandeza, que não podem passar despercebidas, merecendo o reconhecimento, a admiração e o registro, para conhecimento e gratidão da atual e das futuras gerações.
Assim, obteve a melhor repercussão possível, em toda a cidade e fora dela, a entrega, pelo Governo Municipal, da histórica Praça da Inconfidência, que viu nascer em l883, fruto do espírito religioso de nossa gente, a Primitiva Capela de Nossa Senhora do Rosário.
Nasceu a referida Capela da aspiração de um brasileiro notável e do esforço dos escravos negros, por ele libertados, como um oferecimento à mãe de Deus, como uma memória de reconhecimento, como uma oferta de sacrifício em pecúnia.
O Conselheiro Joaquim Firmino Pereira Jorge, residente em nossa cidade, à rua da Imperatriz, desembargador aposentado, cavalheiro da ordem de Cristo e oficial da Ordem da Rosa, católico fervoroso, foi a seu tempo o grande apóstolo da causa abolicionista.
Homem prático, dotado de grande tirocínio, ao libertar seus escravos, muito antes da Lei Àurea, logo se deu conta das dificuldades que estes encontrariam para se incorporar ao trabalho livre. Destarte, incluiu em seu testamento um cláusula que dispunha que seus escravos libertos “receberiam apólices da dívida pública federal, em uso fruto, passando esses títulos, por morte dos beneficiados, em plena propriedade, à Capela do Rosário”¹
O Conselheiro Joaquim Firmino cedeu 22 braças, das 66 de um terreno que possuía na rua Visconde do Bom Retiro, hoje Floriano Peixoto, para construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário e ainda determinou em testamento, segundo nos informa Fróes que “caso após o falecimento de sua esposa, Dona Domitilla Francisca de Abreu Pereira Jorge não houvesse disposto das 44 braças restantes do terreno, passariam as mesmas a pertencer à Igreja…”²
Foi a Capela inaugurada no dia 3 de maio de l883, ocasião em que o Mercantil, prestigioso órgão de imprensa da época, comentou: “Esmolando para a pia obra, na sua maior parte antigos escravos, tão bem acolhidos foram pelos livres, que a Capela do Rosário afinal foi concluída”³.
Por ter sido a mesma, em parte construída com esmolas angariadas por antigos escravos, era a Capela preferida pelas pessoas de cor que organizaram a associação particular denominada – Devoção de Nossa Senhora do Rosário.
A devoção a Nossa Senhora do Rosário é muito antiga, tendo surgido no início do século XIII, quando a Virgem Maria apareceu a São Domingos e ensinou-lhe um método de oração, garantindo-lhe que daria resultados maravilhosos e ganhou grande força, quando se reconheceu no Rosário a arma da vitória dos cristãos comandados por Dom João D’Àustria contra os turcos, na batalha do Lepanto, em 1571.
Sabemos que os negros africanos, chegados ao Brasil, escolheram três santos católicos como patronos: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia. Os dois últimos encontram justificativa em suas origens africanas. Mas por que eles escolheram a Virgem do Rosário? Megale procura responder a esta pergunta, apoiando-se no fato “dos negros escravos nele encontrarem as orações mais simples e populares: o Pai Nosso e a Ave Maria. Eles usavam o rosário pendurado ao pescoço e depois dos trabalhos do dia reuniam-se em torno de um tirador de Reza e ouvia-se então, no interior das senzalas, o sussurrar das preces dos cativos…”4.
Em 2 de maio de l883, a Capela do Rosário teve seu funcionamento aprovado pelas autoridades eclesiásticas e recebeu bênção solene do Vigário Teodoro Rocha, que tão relevantes serviços prestou a Petrópolis, coadjuvado pelos padres Francisco de Paula e José Burghesi. Na ocasião, o Conjunto Musical do Paço Imperial, gentilmente cedido por Dom Pedro II, abrilhantou a cerimônia.
No dia seguinte, 3 de maio, na velha Matriz de São Pedro de Alcântara, realizou-se a bênção das imagens da Virgem do Rosário e São Benedito, foi celebrada missa solene, após o que os fiéis, em procissão, conduziram as santas imagens para a nova Capela.
Finalmente, no dia 6 de maio, foi rezada a primeira missa na nova Capela, sendo celebrante Monsenhor Roque Monteleone, especialmente convidado pelo Vigário Esch, com a presença da Família Imperial.
À noite, na Praça Príncipe do Grão Pará, hoje Inconfidência, fronteira à Igreja, realizou-se animada festa de barraquinhas, com queima de fogos, ficando os números musicais a cargo da Banda de Música do Paço Imperial.
Em 28 de maio de l883, em sua residência de Petrópolis, o Conselheiro Firmino, benfeitor e grande animador da obra, entregava sua boníssima alma ao Criador, sendo sepultado no cemitério local.
A missa de sétimo dia, pela alma do benfeitor, foi mandada rezar pelos devotos de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, no dia 4 de junho de l883, no altar da igreja cuja construção ele patrocinara e cuja inauguração tinha tido a felicidade de assistir poucos dias antes.
A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário constitui-se, por deliberação aprovada pela Diocese de Niterói, datada do mesmo ano e teve como primeira irmã perpétua a senhora Amália dos Santos, seguindo-se-lhe a senhora Elisa Calógeras, sobrinha do romancista Bernardo Guimarães e esposa do grande brasileiro João Pandiá Calógeras.
Com o passar dos anos, a histórica Capela, palco de grandes acontecimentos religiosos, sofrendo a ação do tempo, encontrava-se em más condições, exigindo reparos. Em conseqüência, o Bispo Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra encarregou Monsenhor Francisco Gentil Costa, de saudosa memória, de erguer no local uma nova Igreja.
Monsenhor Gentil aceitou a honrosa incumbência e sem interromper as atividades religiosas, a 31 de maio de 1956, lançava a pedra fundamental da nova Igreja com imponente cerimônia. As l4 horas, após a chegada da procissão com a imagem de Nossa Senhora do Rosário, procedente da Capela do Colégio Sion, em andor ricamente ornamentado, conduzido por alunos do Seminário Diocesano, o Sr. Bispo iniciou a bênção da pedra fundamental, logo assentada, com uma salva de 2l tiros, juntamente com uma caixa de metal, contendo a ata da cerimônia, moedas e um exemplar da Tribuna de Petrópolis, de 31 de maio de l956.
A cerimônia foi encerrada com uma procissão que, saindo da Capela do Rosário, percorreu as então denominadas avenida l5 de Novembro, João Pessoa até a Praça Ruy Barbosa, deixando uma grata e duradoura impressão.
Finalmente, após 25 anos , graças aos esforços e à tenacidade de Monsenhor Gentil, a nova Igreja foi inaugurada em 3 de abril de l978, ocasião em que foram inaugurados o altar de mármore e o órgão eletrônico, com Missa Solene celebrada por Dom Cintra, com a brilhante participação dos Canarinhos de Petrópolis, sob a regência de Frei Leto.
Neste templo, continua reinando, altiva e soberana, Nossa Senhora do Rosário, espargindo luz , derramando bênçãos sobre seus devotos.
Referências:
1 – O Mercantil, Petrópolis, 5 de maio de l883.
2 – FRÓES, José Kopke. A Antiga Capela Nossa Senhora do Rosário Sua Inauguração em l883.In Jornal de Petrópolis, 5 de maio de l972.
3 – O Mercantil, Petrópolis, l2 de maio de l883.
4 – MEGALE, Nilza Botelho. Invocações da Virgem Maria no Brasil. Petrópolis, Ed. Vozes, 3º Edição.