EPITÁCIO DA SILVA PESSOA
Nasceu a 23 de maio de 1865, em Umbuzeiro, pequena localidade do Estado da Paraíba, sendo filho do Cel. José da Silva Pessoa e de D. Henriqueta de Lucena, irmã do Barão de Lucena.
Fez seus estudos no Ginásio Pernambucano, ingressando, em 1882, na Faculdade de Direito do Recife, então em sua fase áurea, sendo aprovado com distinção em todas as matérias, do primeiro ao último ano.
Formado em 1886, foi nomeado no ano seguinte promotor da Comarca do Cabo, um pequeno povoado próximo a Recife.
Em 1889 vamos encontrá-lo no Rio de Janeiro, ingressando na vida política, como candidato à Constituinte de 1890, sendo o deputado mais votado da bancada de seu estado.
Desenvolveu intensa atividade parlamentar, pronunciando vigorosos discursos. Com a renúncia de Deodoro da Fonseca, foi o mais corajoso oposicionista do Marechal Floriano Peixoto, combatendo-o da tribuna, num momento em que o próprio Rui Barbosa, senador pela Bahia, julgara mais prudente exilar-se. Na ocasião, forneceu “notáveis subsídios à interpretação de nosso Direito Constitucional, pela discussão jurídica dos atos governamentais” (1).
(1) RAJA GABAGLIA, Laurita Pessoa. Epitácio Pessoa. São Paulo, Livraria José Olympio Editora, 1951, p. 117.
Posteriormente, foi convidado pelo presidente Campos Sales para ocupar o cargo de Ministro da Justiça, deixando sua passagem pelo Ministério marcada pela grande obra jurídica que foi o Projeto do Código Civil, cuja elaboração foi por ele confiada a Clóvis Bevilaqua, que o concluiu em novembro de 1899. Fato digno de nota é que o referido código só foi promulgado a 1º de janeiro de 1916, por decreto do presidente Wenceslau Braz.
Outra grande realização do Ministro da Justiça foi a reforma do ensino secundário e superior, consubstanciada no Código de Ensino de 1901, que veio corrigir uma série de irregularidades praticadas no domínio da instrução pública.
Sua bem sucedida passagem pelo Ministério da Justiça lhe valeu, em 1902, a nomeação para Ministro do Supremo Tribunal Federal, cargo no qual revelou invejável cultura jurídica, conquistando a admiração e o respeito de seus pares.
Aposentando-se do Supremo Tribunal Federal, foi eleito senador por seu estado natal, atuando sempre, no exercício de suas funções, com serenidade, justiça e verdade.
Em dezembro de 1918, foi convidado pelo presidente Rodrigues Alves para integrar a Comissão que o Brasil enviou à Conferência de Versalhes, chefiando a delegação do Brasil que resolveu satisfatoriamente a questão do café do Estado de São Paulo e a dos navios alemães que, durante a guerra de 1914, haviam sido apreendidos pelo governo brasileiro, liderando ainda as reivindicações das pequenas potências por ocasião da organização da Liga das Nações.
Por ocasião da sucessão do presidente Rodrigues Alves, as divergências entre os Estados líderes dos destinos nacionais, Minas, São Paulo e Rio Grande de Sul e a inabilidade dos partidários de Rui Barbosa, cuja candidatura havia sido lançada por Nilo Peçanha, com o apoio dos mais influentes órgãos de imprensa do Rio de Janeiro, “O Imparcial” e o “Correio da Manhã”, contribuíram para que a Convenção Nacional, a 25 de fevereiro de 1919, indicasse Epitácio Pessoa como candidato à Presidência, para o triênio 1919-1922.
Eleito presidente, Epitácio Pessoa organizou seu ministério, segundo um critério de competência , sendo interessante assinalar a indicação de dois civis, João Pandiá Calógeras e Raul Soares para as pastas militares, o primeiro para a pasta da Guerra e o segundo para a pasta da Marinha, já que ele entendia que “era necessário separar nas pastas militares a administração do serviço de estado-maior: a 1ª é política e, por sua natureza mesma, transitória; o 2º é técnico e profissional e deve ser, o mais possível permanente” (2).
(2) RAJA GABAGLIA, Laurita Pessoa, Op. Cit., p. 333.
Na verdade a escolha não podia deixar de ser das mais acertadas, já que Pandiá Calógeras era um profundo conhecedor dos assuntos militares, muito estimado nos meios militares e Raul Soares uma das figuras mais notáveis do cenário político do país.
Em 1920, o Brasil recebeu a visita do rei Alberto da Bélgica, um dos soberanos de maior renome na Europa, por sua heróica atuação na 1ª Guerra Mundial.
A recepção ao soberano belga e sua esposa foi das mais calorosas, não só no Rio de Janeiro como também em São Paulo e Minas Gerais. Visitaram os reis belgas nossos principais centros agrícolas e industriais bem como nossos principais centros culturais e científicos como Manguinhos, Butantã, Museu Nacional e o Observatório Astronômico.
Na ocasião, estiveram ainda em Teresópolis e Petrópolis, inaugurando a estrada de rodagem recém-construída, entre as duas estações de veraneio, que levou o nome do rei Belga.
Às vésperas da visita dos reis belgas a Petrópolis, escreveu Walter Bretz na Tribuna de Petrópolis: “O povo petropolitano, solidário com a opinião nacional, receberá os augustos visitantes de braços abertos. Honrará o nome da Pátria comum pela galhardia do acolhimento que há de dispensar aos régios visitantes” (3).
(3) BRETZ, Walter. Tribuna de Petrópolis, 29 de setembro de 1922.
O régio casal permaneceu em nosso cidade apenas algumas horas, mas foi alvo de carinhosas manifestações, sendo recepcionado com um banquete no palácio municipal. Na ocasião, os Colégios Luso-Brasileiro e São Vicente de Paulo desfilaram em homenagem aos visitantes e a Banda do 2º Batalhão de Caçadores executou os hinos nacional e belga.
Após visita ao Colégio São Vicente de Paulo e um rápido passeio pela cidade, os soberanos belgas retornaram ao Rio de Janeiro.
Num gesto de grandeza e justiça, o Presidente Epitácio Pessoa, a 3 de maio de 1920, enviou mensagem ao Congresso Nacional, solicitando a repatriação dos restos mortais do Imperador D. Pedro II e da Imperatriz Dona Teresa Cristina, para que pudessem repousar em solo pátrio.
Em conseqüência, o Congresso expediu o decreto nº 4.120, de 3 de setembro de 1920, revogando os artigos 1º e 2º do decreto 78-A, de 21 de dezembro de 1889, que bania a família imperial.
Partiu de Epitácio Pessoa, ainda como Deputado Federal, a 1ª manifestação oficial no sentido de que se aplicasse o artigo 5º, da Constituição Federal, que dispunha que o Governo Federal prestasse socorro aos Estados que, em caso de calamidade, o pedissem.
Destarte, quando eleito Presidente, era natural que o flagelo das Secas no Nordeste, merecessem toda a sua atenção, levando-o a conceber um vasto plano de combate às mesmas, até porque para ele “a extinção das secas era o pagamento honesto de uma dívida de honra da Nação” (4).
(4) RAJA GABAGLIA, Laurita Pessoa. Op. Cit., p. 4l8.
Seu plano de combate às secas abrangia a construção simultânea de vias de comunicação – estradas de ferro e de rodagem, caminhos carroçáveis – a de médias e grandes barragens e a de portos.
Tal plano foi alvo de violentas críticas da oposição, veiculadas pela imprensa, com a finalidade de lançar dúvidas na opinião pública, quanto ao acerto das obras.
Apesar disto foram construídos açudes, poços tubulares, extensa rede telegráfica e preparados os terrenos para construção de barragens. Infelizmente o governo seguinte não deu prosseguimento às obras, que só viriam a ser retomadas muitos anos depois.
O final do governo de Epitácio Pessoa foi agitado pela questão sucessória com o lançamento da candidatura de Arthur Bernardes, então governador do Estado de Minas Gerais, à qual se opôs uma chapa de oposição, com o fluminense Nilo Peçanha e o baiano J. J. Seabra, chapa esta que contou com o apoio da Marechal Hermes da Fonseca, que em vão tentara ser candidato.
No auge da efervescência eleitoral, foi divulgada pela imprensa oposicionista uma carta, atribuída a Arthur Bernardes, contendo temos insultuosos ao Marechal Hermes da Fonseca e ao Exército Nacional.
Embora a autenticidade da carta fosse contestada, os partidários de Nilo Peçanha e o Clube Militar não se convenceram de sua falsidade, surgindo então a famosa “Moção Flutuoso Mendes”, assinada por 529 oficiais, repelindo a candidatura Arthur Bernardes.
Como resposta , Epitácio Pessoa ordenou a prisão do Marechal Hermes e o fechamento do Clube Militar. Estes atos do presidente e a vitória eleitoral do candidato oficial revoltaram os tenentistas e nilistas que organizaram uma conspiração que foi abortada graças às providências tomadas pelo General Carneiro da Fontoura, comandante da 1ª Região Militar. Em conseqüência, o movimento da Vila Militar e na Escola do Realengo fracassou, sendo presos na ocasião cerca de 700 alunos.
No dia 6 de junho, navios da esquadra deram início ao bombardeio do Forte de Copacabana, que, embora isolado, continuava em sua obstinada atitude de rebelião. Dezessete ocupantes do forte, aos quais se uniu o civil Otávio Corrêa, saíram pela Praia de Copacabana ao encontro das tropas legais. Do confronto sobreviveram apenas os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos.
Sufocada a rebelião, Epitácio Pessoa numa atitude digna de registro vai ao Hospital Central do Exército visitar os feridos, indagando do médico sobre o estado de saúde de Siqueira Campos, recém-operado, tranqüilizando-se quando lhe dizem que o ferido iria sobreviver. Na ocasião teria dito: “- Quanto heroísmo desperdiçado. Quanta bravura mal empregada!” (5).
(5) MAGALHÃES JÚNIOR, R. Os Dezoito do Forte. In Revista Fatos e Fotos, Fasc. 6.
Em setembro de 1922, festejou-se o Centenário da Independência do Brasil e, em novembro do mesmo ano, terminado o seu mandato, Epitácio Pessoa partiu para a Europa em viagem de repouso.
Regressando ao Brasil, retoma sua cadeira no Senado, discutindo com indiscutível bom senso o projeto de reforma financeira do presidente Washington Luís, focalizando a questão da estabilização da moeda, por ser a mesma básica e substancial ao projeto.
Em 1927, foi convidado a representar o Brasil na Junta Pan-Americana de Jurisconsultos, que se reuniu no Rio de Janeiro, com a finalidade de tratar da codificação do Direito Internacional.
Mesmo antes de adquirir o sítio da Nova Betânia em Nogueira, próximo a Itaipava, Epitácio Pessoa costumava passar os verões em Petrópolis, na residência de seu sogro Manso Sayão, à Rua Souza Franco.
Em nossa cidade, podia ser visto com freqüência, fazendo comprar no comércio local e aqui elaborou um minucioso trabalho que corrigia as lacunas e os excessos dos projetos submetidos à Junta Pan-Americana.
Em janeiro de 1942, já com a saúde abalada veio para Nogueira, onde permaneceu até a sua morte em 13 de fevereiro do mesmo ano. Na ocasião a Tribuna de Petrópolis, em sua edição de 14 de fevereiro de 1942, assim se manifestou: “Era um dos brasileiros mais eminentes, porque dos mais cultos e de mais brilhante inteligência. Em Petrópolis, onde por longos anos residiu, e que lhe deve a construção do Edifício dos Correios e Telégrafos, feita na época em que exerceu o cargo de Supremo Magistrado da Nação, o seu nome foi sempre cercado de imensa consideração e verdadeira estima” (6).
(6) Tribuna de Petrópolis, 14 de fevereiro de 1942, p.2.
Na verdade, com a morte de Epitácio Pessoa, Petrópolis viu desaparecer um de seus mais dedicados amigos e benfeitor. Não só o Edifício dos Correios e Telégrafos Petrópolis lhe ficou devendo, mas também a construção do Quartel do 1º Batalhão de Caçadores, na Presidência, e a construção da estrada Rei Alberto, ligando nossa cidade à de Teresópolis.
São obras de vulto que colocam o ilustre brasileiro entre os maiores servidores da causa petropolitana, tornando-o digno do apreço e respeito dos filhos desta terra.