CÂMARA MUNICIPAL DE PETRÓPOLIS – TESTEMUNHO DE FATOS POUCO CONHECIDOS

Arthur Leonardo de Sá Earp, Associado Titular, Cadeira n.º 25 – Patrono Hermogênio Pereira da Silva

Antes de qualquer outra palavra quero manifestar meu profundo agradecimento pela distinção da indiciação de ser o orador da solenidade.

Sinto-me inteiramente desvanecido em poder ocupar a tribuna privativa dos eleitos pelo povo, para lhes dirigir uns tantos pensamentos quando oficialmente se relembra o meu bisavô Hermogênio Pereira da Silva, no nonagésimo ano após sua morte.

Segundo eméritos historiadores como Antonio Machado, Alcindo Sodré, Gabriel e José Kopke Fróes, Francisco de Vasconcellos, as histórias de Petrópolis e de Hermogênio se confundem, ele é indeslembrável, o outro Koeler da cidade, o grande administrador durante os quase vinte primeiros anos da República.

Como os seus feitos são amplamente tratados pelos historiadores e por demais conhecidos pelos senhores, deles não falarei.

Não falarei que ele foi médico, com cursos de especialização no exterior, e que, assim, se preocupou muitíssimo com as questões de saúde da população, tendo inclusive praticado pessoal e diáriamente a vacinação domicílio a domicílio, durante surto de varíola.

Não falarei que ele, antes de vir para Petrópolis em 1884, foi vereador à Câmara do Rio de Janeiro, tendo ali apresentado projetos que mais tarde se concretizaram, como o Tunel Velho, o Corte do Cantagalo, os túneis Santa Bárbara e Rebouças.

Não falarei que, republicano e abolicionista, participou já em Petrópolis da fundação do primeiro Clube Republicano fluminense e, assim, caída a Monarquia, foi Delegado de Polícia e logo depois Presidente do Conselho de Intendência (Câmara) de Petrópolis e depois Presidente da primeira Câmara Municipal eleita no regime republicano.

Não falarei que ele foi diversas vezes reconduzido à presidência da Câmara, posto que na época possuía as funções executivas (prefeito), e a exerceu nos anos de 1893, 1894, 1896, 1897, 1901, 1902, 1903, 1904, 1908, 1909 e 1910.

Não falarei que de sua capacidade e eficiência administrativas Petrópolis recebeu um impulso tão acentuado como o de Koeler, dirigido a atender às necessidades básicas e de progresso da população; assim aconteceu com o abastecimento de água, o fornecimento de iluminação e eletricidade, instalação de esgoto, de serviço de transporte, de telefone, construção de moradia para os de pequena renda, cuidados com a higiene e a saúde, limpeza pública, abertura e calçamento de ruas, construção de pontes, arborização da vias da cidade.

Não falarei que foi ele aquele que salvou da extinção o Hospital Santa Thereza, então administrado pelo Estado, intermediando sua passagem à nova forma de gestão, envolvendo o Poder Municipal, a Congregação Religiosa de Santa Catarina e a sociedade petropolitana.

Não falarei que redigiu, fez aprovar e executou diplomas legais de suma importância, como o primeiro Código de Posturas do Município.

Não falarei que foi ele quem deu ao Poder Municipal sede própria, com a aquisição e remodelação desta casa, criando inclusive este salão, casa que, em sua homenagem tem, segundo a legislação municipal, de que faz parte o Regimento Interno da Câmara, o belo nome de Paço Municipal Hermogênio Silva, e popularmente o apelido de Palácio Amarelo.

Não falarei que foi dele a providência de bem abrigar ali a nossa tão valiosa Biblioteca Municipal.

Por fim, não falarei que ele foi deputado estadual constituinte, 3º Vice-Presidente do Estado, Secretário Estadual de Obras Públicas e Indústria, Presidente da Assembléia Legislativa e que, embora eleito senador por ampla margem de votos não tomou posse porque barrado pela então adversária Comissão de Reconhecimento de Poderes.

Não preciso falar a respeito de nada disto porque em especial conhecido e comprovado exaustivamente pelo conceituado historiador Dr. Francisco de Vasconcellos na sua obra “Petrópolis, sua administração na República Velha”.

O que quero revelar, testemunhar, nessa sessão é uma virtude desta tão importante pessoa que aos 67 anos de idade faleceu a 5 de maio de 1915, para que seu exemplo supere os noventa anos já passados e inspire todos os que vierem a se dedicar à administração municipal.

A verdade é que Hermogênio Silva, de tantos feitos e tantas realizações, não inaugurou suas obras, como não se cansa de dizer o honrado Dr. Francisco de Vasconcellos. Não inaugurava. Punha para funcionar e apenas comunicava o fato à população …

Hoje, com toda a mudança de mentalidade, de hábitos, de propaganda, de concorrência e dos meios de transmissão de conhecimento, é difícil admitir tal comportamento. Mas em Hermogênio ele representava a notória modéstia, a compreensão de que o bem público é o que importa e não a glória pessoal, o exato entendimento de que o administrador deve estar apenas a serviço da comunidade.

Este é um dado pessoal, íntimo, pouco referido, que um bisneto de Hermogênio pode trazer de novidade, pode testemunhar com base na história de âmbito familiar.

Que esta qualidade do grande político ilumine também aqueles que hoje são seus sucessores e se encarregam das tarefas públicas.

Confesso, senhores, que sempre que penso nesta particularidade de Hermogênio me vem à cabeça um fato de que aqui mesmo participei e do qual as lembranças me são muito vivas.

Permitam-me contar um evento que lançará luzes sobre um pequeno dado da história desta casa.

Estamos no dia 19 de novembro de 1947. O dia é de sessão solene na Câmara Municipal para a entronizacão do Cristo Crucificado e da bandeira nacional. Dr. Nelson de Sá Earp, neto de Hermogênio por parte de mãe, e meu pai, era o Presidente. Salão florido. Roupa de gala. Minha mãe, eu e alguns outros irmãos estávamos sentados na primeira fila, além do cancelo. Nós éramos sempre levados para aprender civismo!

Expectativa do início da sessão. Autoridades já presentes.

De repente, uma agitação em um canto próximo à mesa diretora. Pouco após, alguém de lá se afasta discretamente e vem até minha mãe e pergunta:

– D. Amélia, o Dr. Nelson foi chamado para alguma urgência, para alguma cirurgia?

Diante da resposta de que ela nada sabia, o mensageiro volta à mesa e a agitação continua.

Minutos após, novos movimentos. É meu pai quem surge. Da mesa lança um olhar para minha mãe, mas ninguém compreende seu sentido e só ela mais adiante entenderia o que se passara.

É que haviam esquecido de comprar o crucifixo a ser entronizado.

Meu pai, de caráter decidido e resoluções rápidas, desapareceu sem nada dizer. Foi à nossa casa e de lá trouxe, envolto em um casaco, o crucifixo que presidia as nossas orações.

E, assim, começou a sessão solene, algo atrasada, pois a ata registra o horário de 15h15min, com a entronização do crucifixo e o desfraldar da bandeira nacional, acompanhados dos discursos do Deputado Adolpho de Oliveira, do Monsenhor Gentil, Vigário Geral, e do Cel. Hugo Silva, Comandante do Batalhão, e demais pompas.

O Dr. Nelson nunca falou da doação que fizera, apenas explicou-a em casa e, só dez anos após, a ela fez breve referência no discurso de lançamento da candidatura a prefeito, neste recinto, de início pedindo a proteção divina, olhando para o Cristo que viera “de nosso modesto lar, onde o tínhamos em veneração contínua …”(Discurso de 09/08/1958, impresso e divulgado).

Vejo sobressair desta ação o mesmo desprendimento da vaidade pessoal, o mesmo sentido maior da causa pública.

A origem e a doação do crucifixo não constam nem da ata, nem dos demais documentos da Câmara, segundo busca recentemente feita, mas elas agora estão explicadas pelo testemunho de uma criança de nove anos e que hoje já conta 67 de idade, em narrativa substancialmente confirmada no aludido discurso.

Peço, pois, ao Sr. Presidente que determine a anotação de tais elementos nos lugares próprios de acervo e patrimônio.

Espero que, adequadamente recordando Hermogênio Silva noventa anos depois de morto, a revelação das qualidades dele a que hoje me referi, refletidas também em seu neto, seja um incentivo para melhor conhecer e amar esta casa e para mais aperfeiçoar o desempenho das altas funções que cabem aos representantes do povo, aos senhores que são os portadores dos mais necessários e melhores sonhos da comunidade.