CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS – O PREFEITO DEMISSIONÁRIO E OS CONFLITOS DE RUA – 1934 [1]

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga

“Cabe-me informar à Liga do Comércio, que no dia nove do corrente, cumprindo a missão que me foi dada, fui pessoalmente entregar ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas a mensagem que por intermédio do da classe comercial, a população de Petrópolis fez ao Exmo. Sr. Presidente do Governo Provisório, para que sua estação de repouso fosse feita nesta encantadora e hospitaleira cidade. Recebido no Palácio Guanabara por S. Excia. e depois de fazer-lhe o apelo em nome da população e em nome do governo da cidade, mostrando-lhe a honra e o entusiasmo com que o povo petropolitano o receberá, S. Excia. respondeu-me que recebia o apelo com grande satisfação e provavelmente em fevereiro, depois de resolver as questões relativas ao orçamento e após seu regresso de Minas , virá fazer sua estação de repouso em Petrópolis. Atenciosas saudações. Yeddo Fiuza – Prefeito.”( Tribuna de Petrópolis, 18 de janeiro, 1931)

O texto reproduzido da Tribuna de Petrópolis procura destacar a importância concedida pelo interventor recém-nomeado para Petrópolis, Yêddo Fiúza, quando de sua visita ao presidente para entregar-lhe a carta da Liga de Comércio, solicitando que Vargas continue a presentear a cidade com a sua visita como fizeram os demais Presidentes da Republica em seu veraneio que o antecederam. Semelhante, exalta a importância que Fiúza devotava ao mesmo, e que faria politicamente com que fosse seu esteio administrativo nesta nova empreitada [2].

[1] Ensaio publicado na primeira pagina do segundo caderno em 21 de janeiro de 1984

[2] Tanto o recorte como o parágrafo inicial foram inseridos posteriormente à publicação.

Petrópolis foi, durante o período republicano, palco de inúmeros movimentos que, pela sua intensidade, se transformaram em verdadeiros conflitos, por vezes até sangrentos. Sendo os mesmos, até o presente momento não estudados. Motivos? Talvez possam ser explicados pelo comportamento e visão tradicionalista germânico que tenha invadido nossos estudos históricos locais, ou simplesmente porque os mesmos fatos possam reabrir cicatrizes ainda existentes no seio de determinados grupos sociais que, durante décadas, mantiveram sob sua tutela a comunidade petropolitana. Mas, o indubitável é que quando os fatos forem cientificamente pesquisados à luz das ciências, talvez possa determinar questões de vital importância como o da paralisação de nossos movimentos econômicos, sociais, políticos e artísticos. Esperamos que não se veja nesta introdução, atos de manifestação contrários à nossa formação, ou mesmo a tudo aquilo de que se forjou a nossa sociedade, mas apenas uma “chamada cientifica” ao reestudo dos fatos que por vezes interpretados à sombra de herméticos conceitos e que conseqüentemente inibiram nossos atos, o que resultou em uma estagnação temporal de nossa produtividade social. Entre os inúmeros e “silenciados” fatos que compõem o nosso acervo histórico, está o ocorrido em fins de 1934 com o Prefeito-Interventor designado pelo grupo que procedeu a Revolução de 1930, Dr. Yeddo Fiúza, engenheiro, e que obteve total repercussão e participação, não somente no âmbito da comunidade, como também projeção na capital e em outros estados da Federação, que talvez, por si só, se credencie a um dos capítulos mais importantes de nossa História política.

ANTECEDENTES

Assim como a proclamação republicana não abalou os alicerces da estrutura política de nossa comunidade, a Revolução de outubro de 1930 não obteve, por si mesma, significativas adesões em nossa comunidade em seu primeiro momento. Não interferindo a não ser pela via administrativa, no comportamento de nossa sociedade. Isto talvez possa explicar pelo grau de paternalismo político que determinados grupos aristocráticos impunham à sociedade. Assim desde o estranhado coronelismo tradicionalista fruto da Guarda Nacional, até a determinadas famílias “abastadas”, que aqui se faziam presentes com suas empresas e tradições e seus suntuosos palacetes. Era a época dos “coronéis de punho-de-renda”, que associados aos demais e refugiando-se no Partido Republicano Fluminense, faziam do mesmo seu hino e propaganda de pseudoliberalismo. Sufocavam quaisquer movimentos de contestação que porventura aparecessem e lhes estorvassem a liderança local, como o ocorrido com o movimento operário que sucumbiu a estas e outras diversas pressões.Esta tutela política chegara a tal ponto que diversos grupos se intercalavam no poder, chegando em ultimas instâncias a verdadeiras disputas sob as mais tradicionais formulas, tais como jaguncismo, assassinatos, tiroteios e outros [3], formulas comuns ao “voto de cabresto”, aos “currais eleitorais”. São, em perspectiva, formas sinônimas às demais aplicadas pelo restante interiorano do país, e que suprimiam quaisquer “ninhos” de protestos das populações pobres, ignorantes e operárias.Teremos também de relevar o nosso comportamento inconstante no seio administrativo de nossa comunidade. É que hoje computados 125 anos de administração, seja pela Câmara ou pela Prefeitura, obtivemos a média de 240 administradores, entre Presidente de Câmara, substitutos, intendentes, Prefeitos, Vice-Prefeitos e Interventores. Uma proporção de 1,9 administradores por ano, ou melhor, um a cada oito meses e meio. É fato, que se deve praticamente os 50% dessa inconstância às mudanças ocorridas na estrutura político-administrativa de nossa federação, porém, não se eliminam, também, as nossas culpabilidades. Retornando ao assunto em perspectiva, assinalaremos demais características registradas e encontradas no município, tais como, fraudes eleitorais, cancelamentos de diplomas eleitorais sob coação, os currais eleitorais e o “voto de cabo-de-enxada”, que encontraram como já assinalado, representatividade.

[3] Tais fatos ocorriam nas “fronteiras” da área urbana e industrial petropolitana com as áreas rurais, as de fazenda, presentes nos inúmeros distritos e limites com municípios fronteiriços de então. Segundo relatos presentes nos jornais da época. Muitos políticos petropolitanos eram fazendeiros destas áreas, ou representantes destes. Não podemos nem mesmo eliminar os bacharéis.

“MOREIRISMO” X “BUARQUISMO”

Ao final da década de 20, Petrópolis se encontra às voltas com as disputas nas hostes do Partido Republicano Fluminense local. São os “moreiristas”, partidários do Vereador e Senador, Dr. Joaquim Moreira [4], e os “buarquistas”, seguidores do ex-Prefeito Dr. Paula Buarque. Era a política de interesses, que com as “alegadas fraudes” nas eleições de 1929, chegam ao ápice da discussão, com o tiroteio no interior do Café Central, posteriormente Loterias Joãozinho e atualmente Papelaria Semadri, e que, segundo jornal da situação na época [5], é visto como assassinato e, por outro caracterizado como “uma disputa de armas”. É fato, porém, que neste episódio sucumbe o filho do então Capitão João Duarte da Silveira, tabelião local, Radetzky Duarte da Silveira, com um tiro disparado por Boaventura de Azevedo Coutinho, vulgo “Capitão Vivi”. O primeiro era das hostes do “buarquismo”, e o segundo “moreirista”. O motivo do episódio teria sido o cancelamento, na véspera, da diplomação eleitoral do Prefeito Romão Jr., também pertencente ao grupo “moreirista”, em favor de Ary Barbosa. Fato é que, “buarquistas” alegavam vingança pela morte do Motta na posse de Paula Buarque. Com a Revolução de 1930, o esfacelamento partidário se concretiza, resultando no engajamento das várias correntes sob siglas diversas. Os remanescentes do “buarquismo”, se filiam ao Partido Popular Radical, o PPR, chegando até mesmo a elegerem membros nas eleições de 1933 destinadas a formação da Assembléia Nacional Constituinte. – A este partido estavam filiados políticos como: João Duarte da Silveira, Arthur Barbosa, Alcindo Sodré, entre muitos outros. Já os “moreiristas”, aliados a outros grupos, se unem ao Partido da União Progressista. Existiam outras agremiações políticas tanto no Estado como no município, porém de reduzidíssima expressão, o que não chegava a ameaçar as grandes e poderosas lideranças. Observação se faça ao importantíssimo papel da imprensa que tutelada por estas lideranças, em uma efetiva propaganda política, conseguia manobrar a população, sempre a colocando como arma a favor de suas aspirações.

[4] A Constituição permitia a acumulação de cargos.

[5] Quando da publicação do artigo na época, os títulos dos jornais não foram inseridos para que não se compromete-se a posição da Tribuna com os fatos pesquisados, já que se publicaria no mesmo jornal o ensaio. Quanto ao original, que continha aos mesmos, foi extraviado com a mudança de residência do autor.

1934

Ano marcado pela promulgação da Constituição pela Assembléia Nacional Constituinte instalada no ano anterior. Ano em que o Congresso Nacional elege indiretamente, Getulio Vargas, Presidente da República. Para Petrópolis, é um ano onde o comportamento administrativo, tanto na área estadual como na municipal, ganham no politicismo as irreverentes participações. Ele se inicia ao som da greve dos funcionários dos Correios & Telégrafos, e entra mais em ebulição quando em maio cresce a célebre questão do Banco Constructor, que, com discussões acaloradas, dominarão o ano e as manchetes dos jornais [6] e nos conduzem aos fatos que nos são título. É o Banco Construtor, desde a primeira década do século, sob contrato com a administração municipal, a administradora dos serviços de energia no município. Havia um grande débito da Prefeitura com o contratado, e era alegado que o Banco Construtor cobrava taxas exorbitantes. Em maio, por intermédio do Decreto n.º 452, o Prefeito-Interventor, Yêddo Fiúza, rescinde o contrato entre o Banco e o Município para o fornecimento de água e luz, abrindo logo a seguir, pelo Decreto de n.º 457, de julho, crédito para a administração do fornecimento de novos serviços. Em agosto, a greve dos funcionários da Leopoldina, toma espaço nos jornais, sendo acompanhada por noticias da criação do Partido Petropolitano Independente [7].

[6] Neste ensaio, na época de sua publicação, não fiz indicação dos jornais da mesma época nas referencias citadas pois entre eles encontrava-se na oposição forte e critica a Fiúza, a Tribuna de Petrópolis, órgão que publicou o ensaio. Quanto aos rascunhos e originais do mesmo, perderam-se posteriormente na redação.

[7] O que não se concretiza.

Seguem-se-lhe, boatos da formação de um Partido Nacional, com todos aqueles que retornaram do exílio. Repercute também a eleição de Adolf Hitler na Alemanha. Porém as manchetes mais destacáveis são os da péssima administração do Secretario de Obras do município [8], o que o conduz à demissão, e as da greve nos serviços de força e luz, que paralisa o fornecimento para o município. Isto leva o Prefeito a solicitar a intervenção da CBEE no restabelecimento do fornecimento, causando-lhe sérias acusações de estar simplesmente querendo substituir a empresa administradora dos serviços por outra que lhe tivesse mais simpatia. Durante dias as acaloradas discussões vagueiam pelos editoriais dos jornais. Setembro inicia-se com a caravana do Partido Socialista Fluminense em Petrópolis, e, de sua pequena convenção, saem como representantes locais: Cícero de Matos, Silvio de Mattos e Carlos Paixão. A questão energética retoma seu espaço politicamente com os boatos de que Fiúza pretendia deixar o cargo. Várias categorias profissionais petropolitanas e suas respectivas associações se mobilizam e resolvem lhe hipotecar solidariedade e se movimentam apelando ao Presidente da República e ao Interventor estadual para que mantenha Fiúza no cargo. Para tal foram alegadas por estes grupos, obras de vulto e o saneamento das finanças municipais, enfim, de uma “esmerada administração”. Os boatos, contudo, não se concretizam e o ritmo eleitoral se impõe. Nas eleições, vitórias são alcançadas pelo Partido da União Progressista, que lança por Petrópolis, Romão Jr. e Eduardo Duvivier respectivamente às Câmaras Estadual e Federal. Alicerçados com esta vitória, o Partido da União Progressista, com o apoio de segmentos classistas, parte para seu fortalecimento no município, apoiando Fiúza que, até a presente data se mantivera sem nenhuma pretensão a filiação e que sofria com a questão do Banco Construtor severos ataques. Criam, para tal, a UP – União Petropolitana, pretextando a defesa de Fiúza e utilizando ruidosamente um poderoso veículo, a imprensa. Assim, durante várias semanas, um dos jornais move campanha pela permanência de Fiúza na Prefeitura. Como resultado imediato, em 16 de novembro, sob estrondosa aclamação da massa popular, lhe é entregue o título de Cidadão Petropolitano, um artifício populista que reproduz conseqüências desastrosas à nossa comunidade. A primeira delas, é a imposição de determinadas medidas pela interventoria fluminense, por intermédio de seu representante, Comandante Ary Parreiras, a Fiúza para que este reativasse os contratos da municipalidade com o Banco Construtor, e pagasse as dívidas que a Prefeitura tinha para com o mesmo. Os ânimos se exaltam, e as colunas dos jornais descarregam a sua fúria contra o interventor estadual, acusando-o de compromisso com os banqueiros. Em contraproposta, outro órgão alimentado pelas hostes do Partido Popular Radical, acusa Fiúza de sua preferência pela entrega dos serviços e o controle da CBEE, que já era mantenedora dos serviços de transportes de bondes no município, e para reforçar tal, citam como exemplo de exploração, os contratos assinados para exploração do Mercado Municipal e do Matadouro Municipal.

DO PEDIDO DE DEMISSÃO AOS CONFLITOS

Poucos dias após o comunicado, em 29 de dezembro, Fiúza torna-se demissionário e as festas de fim de ano não serão mais marcantes do que o pedido de demissão. A noticia se alastra, e no dia seguinte, domingo 30, desde a manhã, corre a convocação ao comício que se realizaria na Praça D. Pedro, às 17 horas, com a participação de centenas [9] de populares.

[9] Na ensaio original publicado afirmamos dezenas, pois estas eram as informações dos jornais da época, porém ao examinarmos detidamente as fotos da época, constatamos que eram centenas de pessoas, e que os jornais enganaram-se, porém suas referências eram as mesmas do Delegado de Policia na época. Quanto às manifestações do dia seguinte chegaram a milhares, pois ocuparam não somente a Praça D. Pedro, mas também a Avenida XV de Novembro, segundo também depoimentos.

Este se realiza sob acalorado clima, com oradores inflamados que em seus discursos enaltecem o trabalho realizado pela administração.

Na segunda-feira, véspera de ano novo, era o dia marcado para a posse do novo Prefeito, Sthephan Vanier, ex-Secretário da Industria e Comércio do Estado do Rio de Janeiro, designado pelo Interventor estadual.

Em protesto, o comércio em geral não abriu suas portas, fábricas e oficinas também permaneceram paralisadas, ônibus e bondes trafegaram até determinada hora. Todas as atividades cessaram. Por volta das 13 horas, vários grupos se encaminharam à Praça D. Pedro, e os oradores se pronunciam sobre os últimos acontecimentos. Comentam a aceitação por parte de Fiúza do cargo de Chefe das Estradas de Rodagem Federais, recém-criado. Às 14 horas, já era imensa a massa popular, que não se concretizando os comícios, seguem para a Rua D. Pedro, onde residia o prefeito demissionário, não sem antes envolverem o monumento a D. Pedro II e os globos de iluminação locais em papel crepe e lhe afixarem um cartaz: “Para que não veja a desgraça de Petrópolis”.

Ato feito, o prefeito comparece à varanda de sua, casa tendo ao lado a comissão nomeada para buscá-lo. Diversos oradores se sucedem, e até o próprio Fiúza se dirige à massa humana “pedindo a maior calma possível para que fossem evitadas quaisquer desordens”.

Deixando a praça, a massa humana sai em passeata pela cidade, por ambos lados da Avenida XV de Novembro, onde o povo na ocasião preconizava o fato de ser a Avenida Yêddo Fiúza, ato não concretizado, e realizaram o enterro simbólico do Interventor estadual, Ary Parreira. Traziam um caixão e se dirigiram para a Estação com o intuito de recepcionar o novo prefeito.

No trajeto ocorre o primeiro incidente entre o povo e os cavalarianos que escoltavam à margem, a marcha. Foi em frente ao prédio dos Correios & Telégrafos, que um soldado se irrita com as insinuações populares e saca a arma. Segundo versão de alguns populares, segundo declaração dos jornais, ele procurava alvejar um dos chefes do movimento, sendo impedido por um companheiro, e ambos são vaiados pelo povo. Outro jornal também acusava o Sub-Delegado, Aristides Flaeschen, “um comerciante falido”, de ofender o povo quando de sua passagem.

Na Estação, ao tomarem conhecimento da não chegada do trem, retornaram à Prefeitura, segundo alguns jornais, “desrespeitando as ordens policiais”. Novos incidentes se sucedem, e populares mais exaltados, ou incitadores, não se sabe ao certo, atiravam pedras nos policiais, enquanto outro grupo ensaiava um movimento hostil contra a redação de um jornal.

Às 16 horas, é noticiado que o novo prefeito após haver embarcado em um trem às 13h30min na estação de Barão de Mauá, ficaria na Raiz da Serra, pois o pessoal da Leopoldina se negara a transportá-lo até Petrópolis.

Às 18 horas, ele subia a Rua João Pessoa de automóvel, dirigindo-se à Prefeitura, sendo que, momentos antes, para lá haviam se deslocado um pelotão de cavalarianos, guardas-civis e praças de infantaria. A posse transcorreu ao som incessante dos gritos vindos da massa humana, postada do lado externo do prédio, cujas palavras de ordem ecoavam, “… morra o governador…” – “… morra o interventor…”, além de constantes vivas dados a Fiúza.

A pesar da inquietação o povo não se excedeu e os policiais se mantêm tolerantes. Alguns citam que realizada a posse, o novo Prefeito, amedrontado com a situação, retornou à capital. Porém às 20 horas, têm inicio os acontecimentos mais trágicos.

Na confluência da Avenida XV de Novembro com a Rua General Osório, um grupo de populares tentava obstar a passagem de um bonde, expulsando seus passageiros e o motorneiro. A polícia tenta impedir a depredação, recebem ordens do Sub-Delegado para fazerem uso das armas, dando tiros para o alto, com o único objetivo de amedrontar a turma. Inesperadamente, dos sobrados da residência do Coronel João Duarte da Silveira, tabelião do município, inicia-se a fuzilaria contra o povo. Confusão correrias e gritos ao fim de poucos minutos de horror e estupefação havia ao chão quatro populares alvejados e um dos quais já morto, Domingos Gaspar.

O povo refeito do susto e revoltado, não se intimida e investe contra a casa do Tabelião, procurando arrombar-lhe a porta, enquanto novos tiros partiam de seu interior, pois agora, se tratava do “instinto de preservação!”, de quem se encontrava dentro da casa. Os feridos eram levados para a Farmácia Fluminense, nas proximidades, enquanto os mais graves eram conduzidos para o Hospital Santa Teresa.

O tumulto se generaliza e a polícia entra em cerrado tiroteio, ora atirando contra os sobrados e janelas das residências, ora a esmo. Quando tomba mais uma vitima fatal juntamente com outros feridos do grupo que se encontrava à porta do Teatro Capitólio. Deduzem que os tiros só poderiam ser disparados do ângulo em que se encontravam os policiais. Grupos de populares ainda continuaram a se arremeter contra a porta e conseguem retirar desta o Dr. Samideano Duarte da Silveira, filho do Tabelião, puxando-o para a calçada e aplicando-lhe violenta surra, enquanto o Delegado, Dr. Toledo Pizza, procurava retirá-lo das mãos dos populares e conduzi-lo à Delegacia. E impedido, os populares atiram o Dr. Samideano ao rio, donde o mesmo é retirado mais tarde pelos bombeiros.

Já eram 23 horas, quando se inicia o último tiroteio entre a policia e os ocupantes da casa. Com maior intensidade e obrigando os populares a se afastarem e se refugiarem. Havendo sido solicitada uma Companhia do 1º Batalhão de Caçadores para guarda da cidade, e com a fuga dos ocupantes da residência, normaliza-se a situação. Era meia-noite, “o ano chegara ao fim”.

REPERCUSSÕES E CONSEQUÊNCIAS

O saldo de vitimas deixado pelo conflito era de dois mortos e seis feridos graves. Os “criminosos” haviam se evadido, e corriam os boatos, para muitos infundados, de que estariam homiziados na casa do Coronel Antonio José Teixeira, em Pedro do Rio.

As manchetes dos jornais do primeiro dia do ano eram contundentes. Falavam do protesto da população; da afronta ao “brio petropolitano”; da satisfação dos ódios pelo Interventor e pelo Partido Popular Radical; eram citados, como responsáveis, e de conluio com a “quadrilha Caparaó”, como eram denominados os Duarte da Silveira.

Os jornais cariocas dedicaram manchetes e colunas inteiras ao assunto – O Globo, Correio da Manhã, Diário de Noticias, A Pátria, O Avante, a Vanguarda, O Jornal e o Jornal do Brasil. O periódico A Noite, dedicara uma edição inteira e ilustrada [10].

[10] Possuía uma agência em Petrópolis com correspondente e fotografo.

A grande maioria tecia elogios ao caráter do povo petropolitano. Os matutinos, Diário Carioca e o Diário da Noite, se posicionaram contra. A repercussão chega a ser tão grande que ganha destaque nos jornais paulistas e interioranos. O interventor acusado, em comunicação à imprensa, pede a formação de um tribunal de honra. Os proprietários do Banco Construtor, aproveitando-se da confusão reinante, invadem e retomam as instalações do Banco, colocando um cabo de alta tensão em torno das usinas geradoras de sua propriedade. É organizada uma comissão intitulada PRÓ-DEFESA DE PETRÓPOLIS, que inicia contatos com o Secretário da Justiça do Estado, Dr. Ruy Buarque. Imensa massa popular comparece ao enterro das vitimas.

No dia quatro, por ato, é retirada a nomeação de Vanier, sendo designado para o seu lugar o Capitão José de Carvalho Jr., Coletor estadual em Petrópolis, e que toma posse no dia seis.

No dia 10, torna-se nulo o único ato assinado por Vanier (n.º 493), que dava posse a várias pessoas estranhas ao conjunto municipal. Durante dias, semanas e meses, os fatos são discutidos. Os processos policiais se arrastam e na questão do Banco Construtor se processa lentamente.

O Capitão José de Carvalho Jr. faz uma administração tampão calma, e se candidata a prefeito do município pelo Partido Popular Radical contra o próprio Yêddo Fiúza que sai em legenda – e é eleito – pelo Partido União Progressista, em 1936, retornando a Prefeitura.

BIBLIOGRAFIA

Fontes Primárias
– Impressos e coleções de jornais e revistas petropolitanas pertencentes a Hemeroteca Pública sediada na Biblioteca Municipal de Petrópolis;- Coleção de Leis e Decretos Municipais, Biblioteca Municipal de Petrópolis.
Fontes Secundárias
– CARONE, Edgard. A República Velha, Difel, São Paulo, 1974.
Fontes Orais
Depoimentos: Leopoldo Paladino, ex-membro integralista em Petrópolis.