Uma curiosidade sobre a canonização do Padre Anchieta 

Maria de Fátima Moraes Argon, Associada Titular, Cadeira n.º 28 – Patrono Lourenço Luiz Lacombe

 

A princesa imperial D. Isabel exerceu a regência em três ocasiões, na qualidade de herdeira de seu pai, o imperador D. Pedro II: a primeira vez ocorreu em 1871-1872, a segunda, em 1876-1877 e a terceira, em 1887-1888.

Durante a segunda regência, a princesa Isabel escreveu ao Papa Pio IX, em 11 de julho de 1877, uma carta a favor da canonização do Padre Anchieta – referendada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque –, do seguinte teor:

Santíssimo Padre.
À presença de Vossa Santidade levam os Bispos deste Império uma súplica que, posso dizer, não é exclusivamente sua. Pedem a canonização do Pe. José de Anchieta: e eu a eles me uno para obtê-la de Vossa Santidade. A vida desse missionário, tão cheia de atos de caridade heroica e de milagres, não é conhecida somente no Brasil; mas aqui onde ele derramou os benefícios da sua palavra e do seu exemplo, é mais viva do que em qualquer outra parte a memória de suas virtudes, e daí vem a esperança que todos nutrem de ver atendida pelo Chefe da Igreja a rogativa daqueles Prelados. Queira, pois, Vossa Santidade resolver que é lícito aos católicos brasileiros venerarem em seus altares a imagem de tão santo varão.
Queira também Vossa Santidade lançar sua apostólica bênção sobre mim e sobre minha família e sobre a Nação Brasileira.
De Vossa Santidade muito obediente filha.
Isabel, Princesa Imperial Regente.

O Papa Pio IX era um defensor da doutrina ultramontana – que, em linhas gerais, postulava a infalibilidade papal e combatia as ideias e as instituições que defendiam a secularização e o anticlericalismo – e a princesa Isabel, católica fervorosa, era adepta do ultramontanismo.

O excesso de religiosidade da princesa imperial D. Isabel não era visto com bons olhos pelos políticos, que receavam o poder que a Igreja teria sobre os assuntos do Estado. Esse “fervor religioso passou a ser usado como argumento contra a implantação do Terceiro Reinado, a partir de sua intervenção declarada a favor da anistia dos bispos” (DAIBERT, 2004) envolvidos na chamada Questão Religiosa (1872-1875), conflito ocorrido entre a Igreja Católica e a maçonaria no Brasil do século XIX, que acabou se transformando em uma grave questão de Estado.  A questão evoluiu centrada na atuação do bispo de Olinda, D. Vital de Oliveira, e do bispo do Pará, D. Antônio de Macedo Costa, defensores do catolicismo ultramontano, que lançaram um interdito punindo as irmandades que tolerassem membros do clero nas lojas maçônicas. No início de 1874, por terem se negado a suspender o interdito, os bispos D. Vital e D. Macedo Costa foram condenados a quatro anos de prisão com trabalhos forçados.

A solução do impasse se deu em 1875, quando D. Pedro II concedeu a anistia aos bispos presos e o Papa Pio IX suspendeu as punições contra as irmandades de Olinda e do Pará, restabelecendo a relação entre a Igreja e o Estado.

A separação entre Igreja e Estado foi promulgada pela Constituição republicana de 1891.