Discurso de posse da associada titular Ana Cristina Borges López Monteiro Francisco
Ana Cristina Borges López Monteiro Francisco, Associada titular da cadeira nº 15, patrono Estanislau Schaette
Ilustríssima Sra. Presidente do Instituto Histórico de Petrópolis
Maria de Fátima Moraes Argon
Ilustríssimo Sr. Luiz Carlos Gomes a quem devo minha indicação, juntamente com Fátima Argon e Fernando Antonio de Souza Costa, aos quais desde já agradeço imensamente.
Ilustríssimos confrades e confreiras
Autoridades presentes
Caríssimos familiares e amigos,
Boa noite!
Certamente, a primeira coisa a ser dita diz respeito ao quanto me sinto honrada e feliz em fazer parte do Instituto Histórico de Petrópolis como associada titular. E, já de início, gostaria de visitar meu lugar de fala porque sinto que percorri o caminho inverso ou, quando muito, desviei do que é visto como tradicional, para chegar aqui.
Cresci com a narrativa de histórias de reis, rainhas, imperadores e nobres que “eram de carne e osso”, bem distantes daqueles dos contos de fadas. Passei minha adolescência nos jardins do Museu Imperial que, para muito além do sentimento de bem-estar que me proporcionava, acabou por se tornar o lugar perfeito de estudo ou descanso, quando saía do Santa Isabel e precisava voltar horas depois, para o estágio do Curso Normal. Também foi cenário para fotografias da turma, encontros com amigos, passeios com familiares que vinham conhecer a cidade, mas que, a cada vez revisitado, descortinava algo novo aos meus olhos que se acreditavam acostumados com aquele ambiente.
Anos depois, serviu como túnel do tempo para minhas aulas de História nas quais pude desfrutar de vários “D. Pedros, Teresas Cristinas, Isabéis e Leopoldinas, escravos e aias que, vestidos a caráter (!), corriam pelos jardins e corredores apontando e mostrando tudo que tinham aprendido.
Mais uns anos, e aquele espaço assumiu lugar de fonte de pesquisa para meus orientandos do Curso de Direito da UCP e, para minhas próprias pesquisas de Mestrado e Doutorado. E foi nesse momento que minha história se costura com a de Fátima e tantos aqui presentes.
No entanto, o que vale destacar, é que foi a partir desse momento que encontrei o que realmente mais gosto de fazer: pesquisar, desvendar, investigar e aprender com a história. E nesse novo universo, conheci Fátima que não só abriu as portas, gavetas e pastas de arquivos, mas abriu meus olhos, mente e coração para uma forma especial de pesquisa. Parafraseando Koselleck, abri meu horizonte de expectativas.
Resumir quase dez anos em um parágrafo é tarefa árdua. Difícil mensurar o tempo e seus desdobramentos em palavras. Santo Agostinho, Aristóteles e até mesmo historiadores como Pomian, já se dedicaram a desvendá-lo. Hartog, dialogando com o Koselleck, elabora uma argumentação sobre o tempo que encontra como pano de fundo as reflexões de Santo Agostinho. Tal argumentação consiste em pensar a experiência do tempo apenas sendo possível por meio da consideração do entrelaçamento entre passado e futuro; recordação e esperança.
O historiador contemporâneo parte do conhecimento estabelecido e desenvolve o que Certeau chamou de prática de desvio, isto é, procura problemas, falhas e lacunas no pensamento estabelecido e, por meio de propostas e novas pesquisas em fontes históricas, produz um outro conhecimento pertinente ao seu contexto histórico.
Talvez, uma das grandes aliadas nessa empreitada seja o resgate da memória que apresenta como uma de suas muitas facetas, a busca de nexos entre o passado e o presente, o fortalecimento da noção de continuidade que permite a sensação de estar ligado, de pertencimento. Toda e qualquer reflexão a respeito da memória e de suas utilizações torna imprescindível uma discussão sobre suas relações com o tempo, cultura e com a história. A memória em suas relações com a História se constitui, desse modo, como o lugar de onde nasce a História.
Ser inserida nos quadros do Instituto Histórico de Petrópolis, representa, sobretudo, via extraordinária de aprendizado tendo em vista a oportunidade de socializar meus estudos e trabalho através do convívio com aqueles que, por experiência e sabedoria, compõem esse sodalício.
No meu “caminhar na contramão”, recebo esse diploma no dia seguinte ao término da minha graduação em História e isso, para mim, é de grande significado.
O convite, por indicação de Luiz Carlos (a quem mais uma vez agradeço), é para ocupar a cadeira nº 15, cujo patrono é Estanislau Schaette.
Em tempos de possibilidade de profundos mergulhos no mundo virtual que permitem com que nossos discursos sejam menos prolixos, destaco que Frei Estanislau, nasceu em Wupertal, (Alemanha), em 16 de novembro de 1872. Em 1897, chegou a Petrópolis no dia 17 de julho e já, no dia seguinte, ministrou sua primeira aula, na escola São José. Ordenou-se sacerdote em 21 de dezembro de 1902 e exerceu o mister de educar, preferencialmente, os netos dos colonos e seus descendentes. Muitas gerações de petropolitanos devem-lhe a instrução e os princípios religiosos que possuem. Anos depois, transferiu-se para Santa Catarina e Paraná, onde também legou um vastíssimo círculo de amizades e discípulos. Frei Estanislau também era um apaixonado pela história e dedicou a Petrópolis grande parte de seus estudos, frutos de pesquisas em arquivos e bibliotecas. Sempre apoiou, entusiasticamente, atividades culturais que fizessem jus a história dos colonos, que exerceram importante função na cidade.
Mas eu também preciso falar daquele que ocupou, por último, essa cadeira: Jeronymo Ferreira Alves Netto. A página do Instituto Histórico de Petrópolis, guarda muitos de seus textos (quase cem!) que, por si, demonstram o vasto teor cultural que o Professor Jeronymo possuía.
Foi aluno da terceira turma de bacharelandos e licenciados da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Petrópolis, onde colou grau em fevereiro de 1964. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Católica de Petrópolis em 12 de maio de 2014, momento que felizmente, pude testemunhar. Titulou-se Mestre em Educação, pela Universidade Autônoma de Guadalajara, em 1981. Foi professor titular de História Antiga e História e Sociedade Regional, lecionou ainda Introdução aos Estudos Históricos, História da América Latina, Teoria Geral da História e Prática de Ensino em Administração Escolar. Ocupou vários cargos e funções na administração superior da UCP, entre eles: Vice Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (1966-1979), Vice Diretor da Faculdade de Educação (1979-1981), Diretor Geral do Colégio de Aplicação (1970-1981), Diretor da Faculdade de Educação (1981-1990), Diretor do Instituto de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas (199-1995), Assessor da Reitoria no Conjunto Barão do Amazonas (1996-1998), Diretor Geral do Colégio EPA (1999), Vice Diretor do Instituto de Teologia, Filosofia e Ciências Humanas (1999-2002). Membro titular do Instituto Histórico de Petrópolis e da Academia Petropolitana de Letras, Associado Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Militar Brasileiro e Associado Honorário da Academia Petropolitana de Educação. Recebeu vários prêmios de pesquisa histórica de diversas instituições e a Medalha de Ouro do Mérito Universitário por serviços prestados a Universidade Católica de Petrópolis. Autor de vários livros e artigos, também ministrou vários cursos e palestras com ênfase em Educação/História/História de Petrópolis.
Jeronymo Ferreira Alves Netto é pai de Silvia, minha amiga de adolescência.
Todavia, eu gostaria de destacar o professor Jeronymo para além dos muros do lattes. Quando professora de Direito Penal na Universidade Católica de Petrópolis, costumava chegar cedo e, invariavelmente, encontrava com ele na Sala dos Professores. Extremamente gentil e generoso com aqueles que iam beber na sua fonte, ele sempre conversava comigo sobre as pesquisas que eu desenvolvia com meus orientandos. Ele dizia que achava muito interessante o Direito fazer uma ponte com a História, em especial, a História de Petrópolis. E de repente, duas tardes da semana passaram a ser regadas de muito café e conversa. Professor Jeronymo me ensinou sobre Stefan Zweig e sua obra, me falou sobre os crimes ocorridos na Petrópolis dos oitocentos, me educou para desenvolver um olhar curioso que enxergasse além do que o documento mostrava. Eu, de professora de Direito Penal, passei a ser a aprendiz do olhar investigativo, a escavadora dos indícios que Ginzburg defende como o saber contido nos elementos negligenciáveis e que possui a capacidade de remontar uma realidade complexa e não acessível diretamente.
Participei do último “Fale-me de Petrópolis”, em 2019, contando sobre a biografia da Condessa de Barral e seus percursos pedagógicos enquanto preceptora das princesas Isabel e Leopoldina. Na ocasião, substituí o Professor Jeronymo que já não se sentia bem. Lembro que ao ser apresentada aos ouvintes, fiquei extremamente envergonhada ao ouvir que iria substitui-lo, pois isso não seria possível e lamentei pelo quanto que eu deixaria a desejar.
Nietzsche dizia que temos a arte para não morrer de verdade. Mas temos, também, a História, para trilharmos seu caminho.
A epidemia causada pelo Covid-19 que assolou o mundo, exigiu medidas drásticas e restritivas como forma de proteção da vida humana. Estamos em um momento de quebra de paradigmas. Talvez seja esse, um dos melhores momentos para se pensar a gênese dos movimentos de historicidade.
Cazuza, ao compor a música “O tempo não para”, diz que vê o futuro repetir o passado e vê um museu de grandes novidades.
Sejamos, sempre, essa miscelânea de coisas raras.
Referências
AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Paulus, 2002.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1998.
HARTOG, François. Tempo, História e a escrita da História: a ordem do tempo. Tradução: Francisco Murari Pires. In: Revista de História, 2003.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução: Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
POMIAN, K. El orden del tempo. Madrid: Júcar Universidad,1990.
RICOUEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas: editora da Unicamp, 2007.