DISCURSO DE POSSE DO ASSOCIADO TITULAR FLÁVIO MENNA BARRETO NEVES
Flávio Menna Barreto, Associado Titular, Cadeira n.º 24 – Patrono Henrique Pinto Ferreira
Senhora Presidente do Instituto Histórico de Petrópolis, Maria de Fátima Argon;
Senhora Diretora-Secretária do IHP, Marisa Guadalupe Plum;
Demais membros da Diretoria e membros associados, novos confrades e confreira, convidados, boa noite a todos:
Eu começo agradecendo as gentis palavras de saudação de Alessandra Fraguas.
Também sou profundamente grato à indicação apresentada por Fátima Argon, Arthur Leonardo de Sá Earp e Alessandra Fraguas e, sobretudo, à aprovação de meu nome pela Assembleia Geral do Instituto. É com alegria e muita honra que me apresento às senhoras e senhores nesta oportunidade.
Quando eu ingressei pela primeira vez na redação de um jornal, há 35 anos, eu não poderia imaginar que um dia me tornaria membro dessa Instituição tão importante, com tantos serviços prestados à memória e à história de Petrópolis, do Rio de Janeiro e do Brasil.
Depois de ter recebido de Fátima Argon a notícia da aprovação de meu nome para o IHP, eu fiz um breve e despretensioso balanço do que me trouxe até aqui hoje nesta ocasião. E eu atribuo a dois aspectos: primeiro, o fato de eu, carioca, ter vindo para Petrópolis com 5 anos. Morávamos em um apartamento pequeno, no Centro, sem área de lazer, e o nosso quintal de casa era, simplesmente, o jardim do Museu Imperial. Todos os dias, eu e meu irmão atravessávamos a rua e íamos brincar naquele bosque que, sob a ótica de uma criança, era uma enorme floresta, com ares mágicos, que um dia pertenceu a D. Pedro, Dona Teresa Cristina e à Princesa Isabel.
Então, crescer nesta ambiência, numa cidade que, no melhor sentido da expressão, é um baú de boas de histórias e reportagens, foi determinante para que, mais tarde, moldasse minha trajetória como profissional de imprensa. Porque desde o começo da carreira ficou evidente que os assuntos que mais me despertavam interesse eram aqueles que me levavam aos arquivos históricos, a conhecer profissionais abnegados como Fátima Argon, Mariza Gomes, Marisa Guadalupe, a saudosa Maria Luíza e, mais recentemente, Alessandra Fraguas.
Essa relação entre as redações e história é explicada pelo jornalista norte-americano, Philip Graham, para quem o jornalismo é o primeiro rascunho da História. E eu concordo. Jornalismo e pesquisa, jornalismo e história sempre caminham juntos. Se não lado a lado, bem próximos.
Feito esse breve preâmbulo, eu quero dizer de minha honra em assumir a cadeira que tem como patrono e teve como membro duas personalidades de grande vulto. Dois intelectuais. Duas pessoas que se dedicaram ao nobre ofício de ensinar. Eu me refiro a Henrique Pinto Ferreira e a Manoel de Souza Lordeiro.
Pinto Ferreira, o Patrono da Cadeira 24, nasceu em Portugal em 1888, e depois de estudar na Universidade de Coimbra, veio para o Brasil. Aqui formou-se em medicina pela Faculdade Nacional e em química industrial e farmacêutica pela antiga Universidade do Brasil.
Na década de 1920, os bons ventos o trouxeram para Petrópolis, onde passou a lecionar no Colégio Luso-Brasileiro. Na mesma década, ele funda a sua própria instituição de ensino, o Ginásio Pinto Ferreira, na antiga Praça Visconde do Rio Branco, no início da Rua Paulo Barbosa. O colégio ia do jardim de infância ao antigo ginásio, abrangendo também o chamado curso de iniciação ao comércio.
A instituição logo tornou-se uma referência; e Pinto Ferreira, um dos maiores educadores do Rio de Janeiro. As imagens do instituto que encontramos em jornais da época revelam um gabinete de história natural riquíssimo, além de laboratórios de química, física, biologia e mineralogia muito bem equipados.
Membro da Academia Petropolitana de Letras, o mestre Pinto Ferreira era um vocacionado para o magistério. Continuou dando aulas mesmo depois de vender seu colégio, atuando na formação de inúmeros talentos.
Um desses talentos é justamente o meu segundo homenageado, Manoel de Souza Lordeiro. Por essas coincidências da vida, esses dois nomes que enaltecem a história do IHP conviveram em sala de aula como professor e aluno. Lordeiro, inclusive, atribuiu a Pinto Ferreira o gosto pela matemática, disciplina que chegava a ser tediosa para ele, mas que ganhou nova dimensão e significado pela forma como o professor transmitia seu conhecimento a respeito.
Lordeiro era um filho das montanhas de Petrópolis. Nasceu no bairro Morin, em março de 1929. Depois dos primeiros anos de estudos na cidade, foi para o Rio de Janeiro. Iniciou o curso de Belas Artes motivado por ser, desde criança, um exímio desenhista. Foi nesta ocasião que conheceu sua esposa, Maria Elisa Dias Costa de Souza Lordeiro, com quem teve os filhos Marcelo e Mário – este me honrando hoje com sua presença. Lordeiro acabou formando-se em arquitetura, em 1954, integrando a chamada “turma do barulho”: uma geração brilhante formada por amigos como Severiano Mário Porto, Henrique Mindlin, Walmyr Amaral, Roberto Thompson Motta e Ricardo Menescal.
No início da carreira, Manoel Lordeiro chegou a trabalhar em São Paulo, mas foi aqui, no Estado do Rio de Janeiro, que construiu seu maior legado no urbanismo e em diversas outras áreas. Um legado que ultrapassou as fronteiras brasileiras. Primeiro colocado em um concurso público federal, deixou sua marca e uma vasta produção para o Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais (precursor do BNH), ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERPHAU) e para o Instituto Nacional das Cooperativas Habitacionais. Também chefiou o grupo executivo responsável pelo planejamento urbano para a fusão da Guanabara com o Rio de Janeiro. E ainda coordenou a Carteira de Desenvolvimento Urbano do Banco Nacional de Habitação.
Foi um dedicado servidor público por 20 anos, período em que também atuou com Oscar Niemeyer e Lúcio Costa.
Na década de 1970, em especial, produz intensamente. Publica 7 livros sobre urbanismo e habitação popular. Seus projetos e teorias, entretanto, não ficaram datados. Continuam atualíssimos, sendo referência e objetos de pesquisa até a presente data, 50 anos depois. Era defensor de soluções urbanísticas inclusivas, contrárias à gentrificação. Um exemplo são as propostas de reurbanização para São Cristóvão, região que, para ele, deveria voltar a ter características de um bairro residencial e popular. Ainda neste tema, produziu, a pedido da Sorbonne, ao lado de Thales Memória, diferentes soluções de habitação popular para cada região do Brasil.
Seria, no entanto, injusto apresentar Manoel de Souza Lordeiro apenas como um grande arquiteto, urbanista e engenheiro. Era uma pessoa que nutria uma profunda curiosidade pelos mais diversos assuntos. Seu interesse pela vida o fez um erudito. Geógrafo, montanhista, desenhista, ambientalista, designer. Lordeiro transitou com maestria por essas e muitas outras atividades. Um vasto conhecimento que, por filosofia de vida, fazia questão de compartilhar com todos a sua volta.
Manoel Lordeiro também dividiu seu tempo entre a prancheta e a sala de aula. Foi um devotado membro do magistério. Como professor de geometria descritiva da UFRJ, teve entre seus alunos nomes ilustres, como Paulo Jobim, Maurício Tapajós, Chico Buarque e Billy Blanco. Detalhe: Lordeiro também era músico, tocava harmônica.
Sua casa estava sempre de portas abertas aos amigos e alunos. Entusiasta de novas empreitadas, hospedou por dois meses parte da equipe que escreveu o livro monumental “Caminhos do Rio a Juiz de Fora”, publicado em 2010.
Uma de suas paixões era o montanhismo. Desde que venceu pela primeira vez os mais de 1.800 metros do Pico do Alcobaça, em 1944, conheceu uma boa parte do planeta em escaladas. Escalou quase tudo, das Cordilheiras dos Andes ao Fujiyama. Faltou apenas seu maior sonho, o Everest. Foi o membro número 1 do Centro Excursionista Brasileiro, e coautor do primeiro Manual de Montanhismo adotado pelas Forças Armadas. Foi dele o primeiro esboço do selo que marcou o cinquentenário da conquista do Dedo de Deus, comemorado em 1962.
São também de sua autoria duas publicações sobre o assunto. Uma delas, “Petrópolis – Rios & Montanhas”, que escreveu com auxílio do amigo fraterno Arthur Leonardo de Sá Earp e de Mário Lordeiro, seu filho caçula, foi distribuído por ele a escolas e comunidades, em gesto coerente com o seu altruísmo. Deixou um terceiro livro praticamente pronto, sobre mapas do Brasil, sem ter tido chance de publicá-lo em vida.
Sua produção para o IHP, versando sobre Santos-Dumont, automobilismo, heráldica, urbanismo, o Brasil do século XIX e tantos outros temas, confirma esse interesse e domínio múltiplos. Foi um dos que melhor traduziu a atualidade do Plano de Julio Frederico Koeler, obra que certamente o inspirou para também legar às atuais gerações conceitos perenes de como podemos ter cidades melhores para se viver.
Multitalentoso, Lordeiro criava móveis e logomarcas. Seus desenhos em bico de pena, reproduzindo com perfeição a fauna brasileira, foram publicados pela conceituada editora britânica Thomas de La Rue. Era também um exímio fotógrafo.
Tão expressivo quanto seu currículo, é o seu papel de humanista. Era, em suma, um apaixonado pela vida, paixão esta que ele convertia em conhecimento, fazendo questão de dividi-lo com o maior número possível de pessoas.
Lordeiro iniciou e encerrou um ciclo riquíssimo de vida nas montanhas. Ele nos deixou em 2008, justamente depois de voltar ao Pico do Alcobaça, onde tudo começou. Sua memória e legado permanecem vivos, atuais e indispensáveis.
Ao me despedir, faço aqui uma menção especial a Fátima Argon, por tantos anos de convivência profissional; ao meu guia e amigo gentilíssimo Arthur Leonardo de Sá Earp, um irmão de Lordeiro; a Joaquim Eloy, que posso chamar de parceiro de palestras sobre o Cassino Quitandinha; a Alessandra Fraguas, ao professor Paulo César Santos; a Eliane Zanatta, que escreveu comigo o livro “Traços de Koeler”; a Vera Abad; e a meu caro Mário Lordeiro.
Muito obrigado. Boa noite.
Referências
Lordeiro, Manoel de Souza – “Professor Henrique Pinto Ferreira”. Publicado no site do Instituto Histórico de Petrópolis em 22.07.2009. Disponível em: https://ihp.org.br/?p=4734 Acesso em: 21/06/2021.
Santos, Joaquim Eloy –“Educação em Petrópolis – O Ginásio Pinto Ferreira – Prof. Henrique Pinto Ferreira”. Instituto Histórico de Petrópolis, 22.12.1997. Disponível em: https://ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/jeds19971222.htm. Acesso em: 21/06/2021.
Edições de “A Noite, supplemento de rotogravura” (década de 1930), Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Entrevistas
Arthur Leonardo de Sá Earp, em 21.06.2021.
Mário Lordeiro, em 23.06.2021.