DISCURSO DE POSSE DO ASSOCIADO TITULAR LUCIANO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE

Luciano Cavalcanti de Albuquerque, Associado Titular, Cadeira n. 30 – Patrono Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacellar

Excelentíssima Senhora Presidente do IHP, Senhores Diretores e Membros, Senhoras e Senhores

Discursar não está entre as qualidades que meus amigos muito gentilmente possam me atribuir.  Gostaria, pois, de muito brevemente homenagear os que me antecederam nesta cadeira do Instituto, patronímica do Reverendo Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacellar (1801-1884).

O célebre Monsenhor Bacellar, como se tornou conhecido inclusive pelo povo, nasceu no Minho, em Portugal. Embora tenha se ordenado sacerdote em data que desconhecemos, ele foi um grande fazendeiro e comerciante no interior da Província do Rio de Janeiro. Adquiriu uma fazenda de café de Manoel Camillo dos Santos em setembro de 1850 e outra do suíço Friedrich Ludwig Hugenen em 1853, ambas no atual Município do Carmo (RJ). A nova estância, batizada de a “Fazenda Santa Fé”, tinha parceria com o seu irmão, o rico negociante da praça de Magé e de Cantagalo, Fernando de Castro Abreu Magalhães.

Monsenhor Bacellar e seu irmão transformaram a “Santa Fé” na mais equipada estrutura de produção cafeeira do Carmo, na segunda metade do XIX. Nesta época a fazenda media 800 alqueires, ou quase 22km2, e chegou a produzir 40.000 arrobas (ou 600 toneladas) de café em um ano. Dentro da fazenda foi criada a Estação Bacelar da Estrada de Ferro Leopoldina, impulsionando o sistema viário ainda relativamente incipiente da província fluminense.

Mons. Bacellar que foi titulado protonotário apostólico e camarista papal, e sua cunhada, D. Rosa Rodrigues Pinto de Castro Magalhães, cuidavam pessoalmente das condições de moradia e da evangelização dos escravizados da Santa Fé.   A família concedeu alforria à maior parte dos escravizados já nas décadas de 1860 e 1870. Em 1888, após a Lei Áurea, consta que todos os empregados permaneceram no local, em casas que eles mesmos construíram com autorização e auxílio da família Abreu Magalhães. A “Fazenda do Padre”, como também era conhecida a propriedade, se destacava pelas boas condições de trabalho e por nunca ter presenciado fugas ou rebeliões.

Ao se mudar para Petrópolis em 1874, Mons. Bacellar construiu o imponente Hotel Orléans – o qual abriga desde 1956 o campus da Universidade Católica.  Como forma de medir a importância de Francisco Bacellar nesta cidade, basta lembrar que ele também foi titulado capelão imperial e recebeu o título de conselheiro do Imperador, além da comenda da Imperial Ordem da Rosa.

Acumulando considerável fortuna, Mons. Bacellar e seu irmão foram grandes patronos da Escola de Nossa Senhora do Amparo, obra social do Padre João Francisco de Siqueira (1837-1881) e da sobrinha deste, Madre Francisca Pia (1857-1931), contribuindo com 2:000$000 somente no ano de 1870. Do mesmo modo foram beneméritos do Colégio Vicentino Santa Isabel, ao qual adiantou a vultosa quantia de 100:000$000 para aquisição de terreno e construção da nova sede, na Rua do Imperador, ampliada e alterada entre 1889 e 1903. Ambas as obras tinham acentuado caráter isabelista, visto que a principal incentivadora era a herdeira do trono, D. Isabel de Bragança, Condessa d’Eu (1846-1921).

Mons. Bacellar faleceu em 5 de novembro (Dia da Cultura) de 1884, quando visitava a cidade de Caldas, em Minas Gerais. Um de seus obituários o descreveu como “sacerdote exemplar, ancião respeitabilíssimo, protetor dos pobres, nomeadamente em Petrópolis, onde residia”.

Na sessão da Câmara Municipal de Petrópolis de 4 de dezembro de 1884, deliberou-se rebatizar como Rua Monsenhor Bacellar a via que segue do lado da atual Universidade Católica de Petrópolis, em seguimento à Rua Barão do Amazonas, até à Rua Renânia.

O legado de Mons. Bacellar, que havia sido o primeiro cura do arraial de Samambaia, entre outras funções eclesiásticas que exerceu e coadunou com seu ofício de fazendeiro, foi o de alguém que, oriundo de outro país, empenhou-se no progresso socioeconômico do Brasil e distribuiu generosamente sua riqueza, tanto no Carmo como em Petrópolis, onde viveu seus últimos anos. É certo que a forma diferenciada com que os escravizados (ou simplesmente empregados) da Fazenda Santa Fé era tratada em muito contribuiu para a visão humanista-cristã de seu sobrinho e sucessor na fazenda, o engenheiro Jeronymo de Castro Abreu Magalhães. Para que se tenha ideia da herança moral que provavelmente constituiu a impressão das obras de Mons. Bacellar basta dizer que esse sobrinho, que se casou com uma sobrinha do Visconde do Bom Retiro (1818-1886), amigo próximo de D. Pedro II, irá constituir com Zelia Pedreira do Coutto Ferraz (1857-1919) uma família ultracatólica, tendo gerado grande prole, com nove filhos entrando para congregações religiosas. Em virtude disso, o casal se encontra hoje em processo de beatificação na Arquidiocese do Rio de Janeiro e já são ambos “servos de Deus”. Como se sabe, D. Zelia, na viuvez, tomou o hábito sacramentino e passou a ser a Irmã Maria do Santíssimo Sacramento.

Reconhecido no Carmo e em Petrópolis por sua ação social enfática, Mons. Bacellar soube como, realmente poucos no Brasil, conciliar o enriquecimento material a uma profunda preocupação com o próximo, especialmente quanto à educação infanto-juvenil.

A Rua Bacellar, localizada no bairro da Caixa d’Água, em Carmo, também o homenageia.

Por fim, mas não menos importante, lembramos que Mons. Bacellar mandou construir, em 1884, uma das casas mais emblemáticas do neoclássico em nossa cidade, mais tarde conhecida como Casa Franklin Sampaio, nome de seu proprietário mais conhecido, e onde se hospedou até mesmo o Rei Alberto e a Rainha Elisabeth dos Belgas em 1920. A casa é mantida, até hoje, na família Sampaio.

O primeiro ocupante da Cadeira Nº 30 foi Pedro Rubens Pantolla de Carvalho, geógrafo nascido em 1946 em Paraíba do Sul, que veio menino para Petrópolis, onde acabou se formando na Universidade Católica e da qual posteriormente veio a ser pró-reitor.

Sempre preocupado com a educação foi grande incentivador do CREDUC – Crédito Educativo. Pois, infelizmente, poucos eram os estudantes que conseguiam alcançar esse crédito, para uns de 100%, outros de 70% ou 80%. Sempre lutou pela inclusão de mais bolsistas necessitados, para melhorar a formação universitária, tentando a diminuição da burocracia, que muitas vezes impedia e desiludia pretendentes.

Gostaria agora de citar as palavras do nosso confrade Joaquim Eloy Duarte dos Santos em homenagem prestada quando de sua morte em 2002:

“Pedro Rubens orgulhava-se de seu pai Rubens e de sua mãe Deolinda, eméritos professores em Paraíba do Sul, exemplos eternos de dedicados mestres de gerações de jovens paraibanos e dizia, com santo orgulho, que era professor como eles. Era, sim, do mesmo nível: deles herdou o talento, a bondade, a inteligência, o amor pela missão”.

O segundo ocupante foi o professor Julio Ambrozio, nascido em 1956, também geógrafo, dessa vez pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980), Mestre em Letras pela Universidade de Juiz de Fora (1996) e Doutor em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2008). É professor na Universidade Federal de Juiz de Fora, sempre elogiado e querido por seus alunos e colegas.

Publicou vários livros, técnicos, históricos e ficcionais os quais agora relaciono: O presente e o passado no espaço urbano da cidade de Petrópolis: uma história territorial (2013); A redonda paisagem de Honório Desterro (2011); Geografia Petropolitana (2005); Ensaios serranos (2001); Pequeno Livro das Distraídas Linhas e um Necrológio (1998); O Homem do Casaco Alemão (1996) e No Sereno do Mundo (1988).

A alegria e o orgulho que sinto pela presente distinção são enormes.  Procurarei fazer jus à responsabilidade que ora me atribuem Vossas Excelências, amante que sou da diversificada arquitetura da nossa cidade, como o ilustre patrono, e não menos amante do bem projetado traçado urbano do Engenheiro Koeler, o que facilita conhecer a geografia do lugar.  Permanecerei sempre disposto a conhecer essa terra, cativante e altiva, estimulado, em grande medida, pelos dois geógrafos que me antecederam e tanto contribuíram para o engrandecimento da Cidade Imperial.

Muito obrigado!