ECOS DA EVOLUÇÃO DE CORRÊAS (1930)

Antonio Machado

Corrêas, o retiro aprazível de Petrópolis que os mais fantasistas costumam considerar a dádiva mais preciosa da natureza ao território fluminense, não passando de simples vilarejo do interior, possui, contudo, configuração topográfica de cidade, espraiando-se a povoação em todas as direções, comunicando-se por diversas estradas, e desdobrando-se em bairros residenciais fadados a infalível progresso, por terem a irmaná-los o mesmo traço forte de união, que é a igualdade do clima. Nada tem que se assemelhe a esses clássicos lugarejos da roça desenvolvidos ao longo de um arruamento ou nas vizinhanças da estação da linha férrea, tão tristes na sua rusticidade. Corrêas não tem, nem de longe, esse aspecto. As moradias humildes ficam ocultas aos visitantes, localizadas em bairros afastados. Tem-se por isso a impressão de que ali só mora gente dinheirosa. A localidade já dispõe de todos os recursos de iniciativa privada, apta portanto a acudir às necessidades dos que a procuram como estância de veraneio ou de cura.

… quando se reorganizou o Derby Petropolitano por iniciativa de um consórcio empreendedor chefiado por Inácio Ratton, predominavam ainda ali as moradias de condição modesta, havendo apenas umas três ou quatro famílias de certa importância social. Quem procurasse ali morar, chegava a desanimar, porque, sendo o comércio insuficiente e as comunicações difíceis, havia falta de quase tudo.

O Sr. Joaquim Zeferino de Souza procurava, entretanto, por todos os meios, fazer desaparecer todas essas dificuldades. Proprietário do melhor núcleo de terras, que eram as da sede da fazenda, ele contribuiu de modo eficaz e decisivo para os primeiros surtos do progresso local. Construiu e animou a construção com facilidades especiais oferecidas aos compradores, vendendo-lhes os terrenos a baixo preço e mediante o regime de prestações. Abriu estradas à sua custa, hoje enfileiradas de prédios que fornecem ótimos impostos à Prefeitura; canalizou águas; manteve durante largo tempo uma linha de bondes puxados a burro, entre Corrêas e o Pic-Nic, mais com o objetivo de facilitar a vida dos moradores do que com a mira em lucros, que primaram sempre pela ausência; empenhou-se sempre com denodo por medidas tendentes a beneficiar a terra de sua adoção.

O funcionamento do hipódromo de Corrêas representou período áureo para o lugarejo. Milhares e milhares de pessoas foram ter àquelas paragens pela primeira vez. Imensa romaria se encaminhava todos os domingos para ali. A casa das apostas registrou algumas vezes somas superiores às do prado da Mooca. E muitas e muitas famílias de destaque na sociedade carioca, que conheceram Corrêas através seu campo de corridas, vieram depois a ser proprietários ali.

Inácio Ratton, que muito apreciava Corrêas, contribuiu assim de modo vantajoso na obra da sua evolução.

A excelente casa da Boa Vista, por ele construída para hospedar os aficionados no nobre esporte, lá está, bastante modernizada e ampliada, ao centro de um magnífico arvoredo, em aprazível elevação de onde se descortina vistoso panorama, justificativo do nome do local, servindo de sede ao Sanatório Boa Vista.

Todavia, somente de há uns quinze anos para cá entrou a acentuar-se o desenvolvimento da localidade; existiam então apenas umas dez a doze habitações capazes de servir a famílias de certo trato. Alguns moradores, porém, se destacavam no empenho de impulsionar Corrêas na senda do progresso. Joaquim Zeferino de Souza, que desde muito tempo se constituíra andorinha única e perseverante, diligenciando sempre por sacudir o marasmo dominante; Henrique Gonçalves da Cunha, de saudosa memória, bom amigo da terra, considerando-a a mais opulenta maravilha de Petrópolis, sempre disposto a apregoar os seus encantos e a reclamar para ela as atenções governamentais; José de Carvalho júnior, personalidade prestigiosa, empenhando-se sempre em arredar entraves, pleiteando sempre eficientemente os elementos essenciais ao evoluir do povoado; o dr. Gabriel Bastos, médico dedicado e competente, oriundo de uma família em que a lhaneza e a bondade tem sido a nota acentuada, se extremava a fim de proporcionar a cura aos que procuravam o lugar para alívio de seus males. Amando com entusiasmo seu torrão natal, colaborou resoluto na obra de seu progresso, tendo sido, até hoje, o que mais prédios construiu. E gradualmente foram sendo conseguidas a agência postal, a escola pública estadual, a rede telefônica, a luz elétrica particular.

O ministro Oscar de Teffé edificava para sua residência estival a construção que viria a ser a mais típica de Corrêas, o Castelo de São Manoel, onde se encontram ainda reunidas tantas e tão preciosas obras de arte antiga. Manoel da Silva Monteiro, o chefe miliardário da casa Hime & Cia, criava, dentro de um parque suntuoso, a sua vivenda de repouso, que era todo o seu encanto e que sua família conserva com carinho.

Na entrada do verão de 1919 a corajosa iniciativa de Antônio Coelho Duarte inaugurava o Hotel D. Pedro no velho casarão que desde os tempos das capitanias se habituara a hospedar as personagens gradas que transitavam para o interior. Antônio Coelho Duarte, que já descansa na paz dos justos, foi um dos maiores amigos de Corrêas; tornando-se propagandista dos seus encantos e privilégios, dispondo de vasto círculo de amizades, ativo, empreendedor, conseguiu atrair muitos e muitos capitalistas que adquiriram terrenos e foram outros tantos propugnadores do seu objetivo.

Irineu Marinho, o notável jornalista, enquanto construía e embelezava a sua magnífica vivenda Heloisa, mantinha no seu grande vespertino, “A Noite”, a secção “As nossas estações de verão” em que fazia o elogio de Corrêas como estância de repouso, de cura e de recreio, e repisara a necessidade de uma estação, água, luz, calçamento, condução…

Francisco Serrador, com o seu singular espírito de iniciativa e grande confiança no futuro reservado ao lugarejo, adquiria a propriedade Teffé e desenvolvia ativa propaganda para a venda de terrenos. Com a deliberação de promover a cidade cinematográfica brasileira, tornou ainda mais atraente os pitorescos aspectos naturais do sítio São Manoel, transformando aquelas encostas e vales em deslumbrantes alamedas, ladeadas hoje de artísticas moradas e jardins luxuosos.

O Dr. Bento Borges da Fonseca criava, para servir-lhe de residência, à margem da União e Indústria, um dos mais interessantes e confortáveis palacetes de Corrêas.

O Sr. César Lopes construíra em recanto de incomparável beleza, sua aristocrática vivenda, em cujo interior os detalhes do conforto denunciam bom gosto, arte e originalidade. A imponente residência, cercada de árvores numerosas e jardins em flor, costuma prender a atenção dos forasteiros que por ali passam em demanda do Poço do Imperador.

E o simpático lugarejo foi espalhando o seu casario elegante pelos vales, pelas encostas e à volta de seus montes verdejantes, assumindo feição tão pitoresca que o entusiasmo do inolvidável Henrique Cunha o considerava a Petrópolis de Petrópolis.

Corrêas, se já foi a sede do turfismo fluminense, ainda poderá vir a ser a sede da cinematografia nacional, possibilidade ainda nos desígnios de Francisco Serrador.

Sua escola pública é quase um grupo escolar, tão numerosa é a freqüência.

Quando o governo estadual, há cerca de treze anos, procurou executar a benemérita medida do ensino primário obrigatório, foram recenseadas em Corrêas 364 crianças de 8 a 14 anos de idade; duzentas crianças recebem atualmente, naquela casa, os benefícios da instrução. Poucas professoras terão tido um trabalho tão árduo e incessante como a de Corrêas, D. Carmen Lussac Do-Coutto, verdadeira missionária do ensino, anjo tutelar das crianças e queridíssima de todos os moradores. Auxiliada por duas adjuntas, executa a sua missão com uma inteligência clara e realizadora, com uma perseverança e energia digna de louvores, prestando os mais relevantes serviços à população.

Corrêas dispõe de um atrativo que muito a valoriza: são os banhos ao ar livre… O Poço do Imperador, o Poço dos Ferreiras e a Piscina Serrador apresentam diariamente, na quadra do verão, aspecto surpreendente pela movimentação e pela alegria viva que a todos comunica. São aliás as únicas diversões que a localidade pode proporcionar…

Para aqueles encantadores pontos se encaminham romarias de banhistas, de manhã e à tarde, emprestando ao lugarejo uma fisionomia particular, de recanto balneário; e essas festas são promovidas não só pelos veranistas locais como por alegres caravanas que ali aparecem, formadas aqui na cidade, e que ali passam horas e horas num divertimento ameno e sadio. Na Piscina Serrador quase todos os anos se realizam interessantes banhos à fantasia por ocasião do Carnaval…