O HINO DE PETRÓPOLIS
Joaquim Eloy Duarte dos Santos, associado titular, cadeira n.º 14, patrono João Duarte da Silveira
Petrópolis, fundada no ano de 1843, desde 1857 elevada à categoria de cidade, residência de verão do Imperador D. Pedro II e de toda a nobreza; em seguida, refúgio sazonal dos presidentes e dos notáveis brasileiros e internacionais, só homenageava a sua natureza, a vida dos pioneiros, o município, através do trabalho e do crescimento da urbe, dos quarteirões e dos distritos. Não existia a sonoridade oficial da homenagem ressoando por seus vales e montanhas em música, sob o canto de seu povo elevado aos céus e cortando o ruço.
Lícito comprovar que Petrópolis tem na música uma de suas manifestações artísticas e culturais mais expressivas, desde o século XIX vicejando talentos e registrando gênios. No princípio, as bandas alemães, os coros nas igrejas, o cantar despreocupado da população, com visitas periódicas de conjuntos musicais, vindos de todos os brasis.
A montanha convida ao canto e o vento cortando a sinuosidade dos vales é música sob acompanhamento do pipilar dos passarinhos.
O maestro Paulo Carneiro, ao fundar a Escola de Música Santa Cecília, em 1893, casa de ensino que, em atividade, ultrapassou um centenário, foi a pioneira instituição de ensino musical em Petrópolis e dela saíram muitos expoentes da arte de Mozart na conquista do mundo. O talentoso maestro compôs um hino de saudação à padroeira Santa Cecília, logo adotado como Hino da Escola, com letra de G. Autran. Belíssimo! Alguns clubes de várias especialidades adotaram hinos e a unidade militar instalada na serra veio com seus hinos e recrutas reservistas como eu, ainda cantarolam as letras de exaltação cívica.
Mas, paradoxalmente, nosso Município já atravessara meio século XX não possuía seu Hino Oficial, cantando marchas e valsas de composição carioca, falando das belezas de nossas montanhas. Um comandante do Batalhão D. Pedro II, o Coronel Dácio Vassimon de Siqueira resolveu preencher a lacuna, compondo linda melodia, com letra poética e com alguns versos emprestados de Alberto de Oliveira. Falou-se na adoção de sua página como o Hino Oficial de Petrópolis, porém preferiu-se, com muita propriedade, pela escolha de um Hino através de concurso público, com oportunidade para todos os compositores petropolitanos ou não.
E tudo começou com o projeto do saudoso, operoso e dinâmico professor, advogado e vereador Paulo de Souza Ribeiro apresentando seu Projeto nº 1639, de 1969. O Prefeito Dr. Paulo Rattes, através da Deliberação nº 2849, no dia 6 de maio de 1970, abriu o concurso, destinando verba para a premiação, na época de Cr$.5.000,00.
“A Câmara Municipal de Petrópolis decretou e eu sanciono a seguinte Deliberação nº 2849 de 6 de maio de 1970 instituindo o Hino Oficial da Cidade de Petrópolis.
Artigo 1º – Fica o Poder Executivo autorizado a instituir o concurso para a escolha do Hino Oficial do Município de Petrópolis. Artigo 2º – O Prefeito Municipal nomeará Comissão Especial para julgar os trabalhos apresentados; Parágrafo 1º – A Comissão Especial será presidida pelo Secretário de Educação e Cultura da Municipalidade e composta de um representante de cada uma das seguintes entidades: Secretaria de Turismo; Academia Petropolitana de Letras; Instituto Histórico de Petrópolis; Escola de Música Santa Cecília; Associação Petropolitana de Imprensa; Academia Petropolitana de Música; Departamento de Cultura, Secretaria de Educação e Cultura da Municipalidade; Sociedade Artística Villa-Lobos; e Câmara Municipal de Petrópolis. Parágrafo 2º – Esta Comissão Especial organizará no prazo de 90 dias, o regulamento geral do concurso. Artigo 3º – O Prefeito Municipal fica autorizado a instituir um prêmio para o autor ou autores do Hino que vier a ser escolhido pela Comissão Especial, até a importância de Cr$.5.000,00 (cinco mil cruzeiros). Parágrafo Único – Esse prêmio não poderá ser em forma pecuniária. Artigo 4º – Esta Deliberação entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as disposições em contrário. Mando, portanto, a todos a quem o conhecimento da presente Deliberação competir, que a executem e façam executar, fiel e inteiramente como nela se contém. Gabinete da Prefeitura Municipal de Petrópolis, em 6 de maio de 1970, (ass.) Paulo José Alves Rattes, Prefeito”.
Mais democrática impossível, constando da Comissão Especial 10 cidadãos. Representando o Poder Executivo: 3 membros; o Poder Legislativo: 1 membro; e 6 em nome das entidades envolvidas com a música e a cultura no Município.
Publicada a deliberação, o Secretário de Educação e Cultura Prof. Dr. Lúcio Vasconcellos de Oliveira instruiu o Diretor do Departamento de Cultura, Dr. Mário Fonseca, para a feitura da correspondência a todos da Comissão para indicação de seus representantes, ocorrendo as seguintes designações: Presidente da Comissão: o Secretário Prof. Dr. Lúcio Vasconcellos de Oliveira; Membros: Paulo Jeronymo Gomes dos Santos (Secretaria de Turismo); Prof. Dr. Arthur de Sá Earp Netto (Academia Petropolitana de Letras); Prof. Dr. Joaquim Eloy Duarte dos Santos (Instituto Histórico de Petrópolis); Prof. Clever Costa de Castro (Escola de Música Santa Cecília); João Augusto da Costa (Associação Petropolitana de Imprensa); Prof. Waldyr Dalmaso (Departamento de Cultura; Profª Maria de Lourdes Tornaghi (Sociedade Artística Vila-Lobos) e Vereador Waldyr Silva (Câmara Municipal de Petrópolis). A Academia Petropolitana de Música não indicou representante porque estava em organização e, afinal, acabou não vingando.
A primeira reunião foi realizada no dia 25 de janeiro de 1971, na sala 2 do prédio da Rua Irmãos D´Ângelo, sede do Departamento de Cultura, com a presença de quase toda a Comissão, anotada a ausência do jornalista João Augusto da Costa. Por funcionário do Departamento de Cultura foi entregue minuta do regulamento a ser seguido pela Comissão, comunicada a existência de 5 concorrentes e, logo em seguida, aberto o primeiro envelope de peça inscrita e distribuídas as letras para os participantes. Sentindo o açodamento e quebra de protocolo, o presidente Lúcio Vasconcellos solicitou que cada membro se apresentasse e na minha fala (é um depoimento que integra a ata da reunião) disse estranhar a forma como se processava a abertura da reunião inclusive com a apresentação do regimento interno que era prerrogativa da Comissão, conforme a Deliberação em vigor e, mais, estar presente concorrente ao feito, não participante da comissão e ali agindo como funcionário do Departamento de Cultura no encaminhamento da reunião. Disse ainda que o concurso havia tido pouca publicidade e que o regimento apresentado não poderia ser aceito. Estabeleceu-se discussão sobre o tema, prevalecendo as considerações exaradas pelo Prof. Dr. Arthur de Sá Earp Netto, objetivando a nulidade de todos os atos até então praticados naquele encontro. A partir daí, foi retirado o funcionário do Departamento de Cultura, eleita uma comissão para redigir minuta do Regimento Interno, composta pelos representantes do Instituto Histórico de Petrópolis, Escola de Música Santa Cecília, Sociedade Artística Vila-Lobos e Câmara Municipal de Petrópolis. O representante da Academia de Letras, Prof. Dr. Arthur de Sá Earp Netto, solicitou dispensa da Comissão por incontornáveis afazeres particulares. Os cinco trabalhos inscritos foram arquivadas na Secretaria de Educação, em lugar seguro.
Em 15 de março de 1971 foi realizada a segunda reunião, com número menor de participantes. Havia sido modificada a composição do Poder Executivo Municipal com novo Prefeito, o Sr. João Ésio Caldara, com alterações na representação oficial junto à Comissão, passando a representar a Secretaria de Turismo o jornalista Darcy Paim de Carvalho e a Secretaria de Educação o novo titular Prof. Gil Mendes, no ato representado pelo Dr. Mário Fonseca, Diretor do Departamento de Cultura. Presentes, ainda, os representantes da Câmara Municipal (Waldyr Silva), Instituto Histórico de Petrópolis (Joaquim Eloy Duarte dos Santos), Escola de Música Santa Cecília (Clever Costa de Castro), Sociedade Artística Vila-Lobos (Maria de Lourdes Tornaghi Guimarães), Associação Petropolitana de Imprensa (João Augusto da Costa) e Departamento de Cultura (Waldyr Dalmaso). Nesse encontro foi aprovado o regulamento para funcionamento da Comissão e o encaminhamento ao vereador Paulo Ribeiro das alterações aprovadas: fixação do número de 8 integrantes para a comissão, suprimida a Academia Petropolitana de Música, não instalada apesar dos esforços do prof. Amadeu Guimarães e a Academia Petropolitana de Letras que não indicara acadêmico em substituição ao Dr. Arthur de Sá Earp Netto. Decidiu-se pela concessão do prêmio ao vencedor em espécie, como incentivo maior e justa retribuição, além de cobrir os direitos autorais em benefício do Município. Por último, a Comissão resolveu pela reabertura do Concurso.
As providências requeridas foram cumpridas no decorrer do ano de 1971, até a sanção da Deliberação nº 3.168, em 2 de dezembro de 1971, pelo prefeito João Ésio Caldara, instituindo o prêmio de Cr$.10.000,00 (dez mil cruzeiros) para o vencedor do Concurso.
A 27 de dezembro de 1971 a Comissão, com Mário Fonseca (representando o secretário Gil Mendes), Clever Costa de Castro, Waldyr Dalmaso, Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Maria de Lourdes Tornaghi Guimarães e Waldyr da Silva aprovou o Regulamento atualizado e reabriu as inscrições até o dia 31 de março de 1972, exigindo a apresentação de partitura harmonizada ou cifrada, para piano (10 vias), poema datilografado (10 vias) e fita gravada em uma só peça, sob pseudônimo e sobrecarta fechada e lacrada com a identificação.
A 25 de abril de 1972, a Comissão reuniu-se para conhecimento de 14 inscrições, sob pseudônimos de muita criatividade: “Audacioso”, “Raymundo”, “Afraner I”, “Afraner II”, “Afraner III”, “Afraner IV”, “Cassius Lima”, “Arom-Tacos”, “Cidinho Luna”, “Rojo”, “Timoneiro”, “Borba Gato”, “Rá”, “Anúbis” e “Reduto da Tradição”. Presentes o Secretário e Presidente da Comissão Prof.Gil Mendes, Vereador Waldyr da Silva, Prof. Waldyr Dalmaso, Prof. Clever Costa de Castro, Prof. Joaquim Eloy Duarte dos Santos e Ely Francisco Fagundes, como novo representante do Departamento de Turismo; o jornalista João Augusto da Costa justificou a ausência.
Dois dias após, a 27 de abril, toda a Comissão reuniu-se no estúdio de Radio Imperial de Petrópolis, no Edifício Paulo Carneiro, 8º andar da Escola de Música Santa Cecília para ouvir as gravações concorrentes, estabelecendo a primeira triagem; em seguida, a 11 de maio, para ouvir os trabalhos finalistas, de autoria de “Reduto da Tradição”, “Anúbis”, “Timoneiro”, “Borba Gato”, “Cidinho Luna” e “Audacioso”, solicitando aos concorrentes apresentarem gravações dos hinos com banda de música e coral conjugados até 26 de maio. Considerado insuficiente o prazo, ficou decidida sua prorrogação até 25 de junho de 1972.
A 11 de julho de 1972 os 8 membros da Comissão reuniram-se na Petrópolis Rádio Difusora, Praça Dom Pedro, onde ouviram os hinos gravados com banda de música e coral, apreciaram os poemas e, em seguida, procederam à votação, de forma secreta, com pontos de 1 (um) a 10 (dez), sendo os votos lacrados e rubricados por toda a Comissão, depositados em envelope único, igualmente rubricado, expedindo-se um Comunicado Oficial, dando por encerrado o julgamento e marcando para o dia 19 de julho, no plenário da Câmara Municipal, às 15 horas, a divulgação do resultado final e declaração pública do vencedor. No dito comunicado a Comissão declara que “…as 6 musicas finalistas se encontram liberadas para divulgação pelas emissoras de rádio e demais órgãos da Imprensa…”.
Festiva na Câmara Municipal a tarde de 19 de julho de 1972, com o plenário lotado, a presença de 4 concorrentes (Dácio Vassimon de Siqueira, Paulo da Costa Navega, Geraldo Ventura Dias e Alcides Conrado Kronemberger) e de toda Comissão Julgadora. Foram convidados para escrutinadores os senhores jornalista José Luís Campos, do Jornal de Petrópolis e Petrópolis Rádio Difusora e Prof. Walkyr de Oliveira Guimarães, da Escola de Música Santa Cecília, ambos honrados e surpresos com a indicação. Com eficiência e emoção cada voto foi aberto e divulgadas as notas. Somados os pontos, foi proclamado vencedor Geraldo Ventura Dias (Borba Gato), com 76 pontos, seguido de Dácio Vassimon de Siqueira (Audacioso) com 69 pontos; Ernani Aguiar e Paulo Jorge Brand (Anúbis) com 54 pontos; Fernando Sérgio Ayres da Motta (Reduto da Tradição) com 52 pontos; Alcides Conrado Kronemberger (Cidinho Luna) com 33 pontos; e Paulo da Costa Navega (Timoneiro) com 31 pontos.
Emoção, abraços, tristeza, o vencedor Geraldo Ventura Dias foi muito cumprimentado, o hino reproduzido no lindo plenário e Petrópolis ganhava, finalmente, o seu Hino Oficial.
Pela Deliberação nº 3333, de 27 de outubro de 1972, sancionada pelo prefeito João Ésio Caldara, o hino foi oficializado, tornando obrigatória a sua execução nas solenidades oficiais patrocinadas pelo Município.
O autor do Hino de Petrópolis é GERALDO VENTURA DIAS, mineiro de Juiz de Fora, onde nasceu em 6 de outubro de 1925. Em sua cidade natal bacharelou-se em Ciências Contábeis no Instituto Granbery. Pequeno, estudou música com a professora Josefina Rocha chegando a exercitar-se em sete instrumentos, por fim dedicando-se ao piano. Autêntico homem de sete instrumentos.
Prestou concurso para o Banco do Brasil e lá cumpriu meritória carreira, até a gerência, por mais de 30 anos. Veio para Petrópolis, aqui desposando Gilda Porto Ventura Dias, tendo o casal 4 filhos. Foi rotariano atuante e presente, batalhador incansável, dedicando-se de corpo e alma às obras de benemerência e educacionais; pertenceu ao quadro social, Diretoria e Conselho do Petropolitano Futebol Clube; colaborador do “Batalhão D. Pedro II’, da “Escola de Música Santa Cecília”; participou em curso na Adesg; foi um dos edificadores da Escola Municipal Rotary e da qual foi ardente defensor e colaborador. Colaborou com Win L. Van Dijk e Germano Valente na criação da Comac. De temperamento extrovertido, bom papo, leal e sincero, foi uma das grandes personalidades petropolitanas, agraciado com o titulo de “Cidadão Petropolitano” e “Cidadão Emérito do Estado do Rio de Janeiro”.
Para aqueles que pensam que a composição do Hino de Petrópolis é fato isolado de um músico bissexto, podem anotar que Geraldo Ventura Dias foi autor de mais de 80 músicas, embora afirmasse que executaria cerca de 15, autor dos hinos do Petropolitano F.C., do Serrano F. C. e outros clubes. Escreveu crônicas e poesias, tendo integrado o Quadro Titular da Academia Petropolitana de Letras, ocupando a cadeira nº 8, patronímica de D. Pedro II.
Faleceu em 11 de junho de 2000, aos 75 anos de idade.
O amigo Geraldo Ventura Dias, de vida exemplar, fica na História de Petrópolis como integro e querido cidadão e pelo belo e imortal Hino, o qual, em suas palavras: “…foi feito a canivete, nasceu no Museu Imperial, no Bosque do Imperador, no Trono de Fátima…”
O que ele não disse é que foi composto com o coração de quem soube doá-lo por toda a vida a seus semelhantes. Mineiro de nascimento, petropolitano por adoção, soube como ninguém registrar Petrópolis ao criar o nosso estribilho:
“Quem pensa que é feliz em outra terra é porque ainda não viveu aqui”.