Em fevereiro de 1854, um colono alemão, de nome Henrique Kremer, conceituado e hábil artista que se especializara em cobertura de casas com tabuinhas, vendia sua propriedade à Fazenda Provincial que a transformou no antigo e agora desativado Matadouro Municipal, hoje abrigando como sede a Companhia Municipal de Transportes. Com recursos obtidos na venda fundou, no Quarteirão Nassau, então rua dos Artistas, depois rua 7 de abril, atualmente rua Alfredo Pachá, uma fábrica de cerveja, origem primeira da consagrada e tradicional Cerveja Bohemia.

Digo Cerveja Bohemia sim; Cia. Cervejaria Bohemia, não. Veremos a seguir.

Com o falecimento de Henrique Kremer em 1865, foi constituída por seus herdeiros a firma Augusto Kremer & Cia., que existiu até 1876, época em que já possuia mais uma fábrica de cerveja em Juiz de Fora. Em 31 de agosto desse mesmo ano de 1865, separaram-se, comercialmente, os sócios e cunhados, ficando Frederico Guilherme Lindscheid, com a fábrica de Petrópolis; Augusto Kremer ficou com a fábrica de Juiz de Fora.

Nas mãos e sob a administração de Frederico Guilherme Lindscheid a fábrica de cerveja de Petrópolis ganhou grande expressão e prosperidade, tornando-se o seu proprietário no industrial petropolitano mais rico do seu tempo.

Por ocasião da partilha de bens em virtude do falecimento da mulher do industrial, Sra. Henriqueta Kremer Lindscheid, a fortuna declarada no Inventário totalizava 1.073: 973$840. Uma quantia fabulosa para a época: março de 1896. Tanto mais sabendo-se que nessa ocasião, o Inventário do Imperador D. Pedro II somou o valor de 1.5567: 080$131. Nessa partilha de bens a Sra. Carolina Lindscheid Kremer, casada com Henrique Kremer, neto do fundador, tocou uma parcela avaliada em 220: 000$000 representando a fábrica de cerveja e os prédios onde a indústria cervejaria funcionava.

Em agosto de 1898, dois anos e cinco meses mais tarde, foi formada a Cia. Cervejaria Bohemia, que ficou com todos os bens da antecessora e cujos os diretores eram o mesmo Henrique Kremer e o Sr. Guilherme Bradae.

Assim passados mais de cem anos, graças ao espírito empreendedor do colono que era um especialista em coberturas de casas com tabuinhas, segundo consta em várias edições do Almanaque dos Irmãos Laemmert, surgiu e se desenvolveu a mais tradicional cervejaria brasileira e petropolitana, que fabricava as cervejas: Viena, Quitandinha, Bohemia, Petrópolis, Bock Malte e Bola Preta; chope claro e chope escuro e os refrigerantes: Guaraná Petrópolis, Soda, Água Tônica e o popular Brotinho.

Posteriormente, a Cia. Cervejaria Bohemia foi comprada pela Antárctica, para eliminar o Guaraná Petrópolis que fazia frente e concorrência ao seu Guaraná Antarctica. E nessa contratação de compra da Indústria ficou gravada a obrigação de ser mantida e continuada a produção da Cerveja Bohemia, já uma tradição, palatável predileção dos bebedores de cerveja, uma das tradições de Petrópolis, não dos bebedores de cerveja, mas, a da existência da Cerveja Bohemia. Pois bem. Assim foi e assim vem sendo. Melhor dizendo assim foi e assim VINHA SENDO. E essa mudança é muito grave, pode significar um avilte às nossas tradições, mesmo um avilte cultural por um possível banimento futuro da existência da Cerveja Bohêmia da ambiência petropolitana. Mas, dirão alguns, interrogativamente e críticos ao lerem estes registros: – O que tem a ver o Instituto Histórico com isso?

Respondo: Tem muito; tem tudo; tem de defender a manutenção das tradições e da cultura que são imanentes da própria história de Petrópolis. Então, vejamos o porquê dessa questão.

É que as estações de TV estão divulgando um comercial da nossa cerveja, com mais ou menos as seguintes palavras: Nas serras entre Petrópolis e Teresópolis, com uma água de fonte especial é fabricada a mais de um século, desde 1854 a Cerveja Bohemia. Nessa altura após mostrar paisagens serranas e não petropolitanas, propriamente, mostra o Dedo de Deus, que não é de Teresópolis, mas que pertence à geografia oficial do recém-criado município de Guapimirim desmembrado de terras de Magé. As palavras desse momento do comercial dizem: O Dedo de Deus não nos deixa mentir!

E isso é uma grande mentira. Pois insinua a todos que sendo, o Dedo de Deus é teresopolitano, pois as pessoas em geral não sabem do detalhe geográfico sobre Magé e Guapimirim. E isso é mais mentira ainda a instilar sublinarmente em uma ação deltéria para o futuro, que a Bohemia não é petropolitana, pois o que a TV diz é Lei para o povão. E com isso se perderá em tradição e em historicidade petropolitana no que toca à sua indústria pioneira, tradicional, nossa tão querida. Até mesmo sobre a água mente, pois a fonte é no terreno da própria fábrica.

Este artigo, na verdade, é um meu PROTESTO junto à Antarctica e o seu comercial, propiciando uma crença diferente da verdade histórica da tradição, da cultura de nossa gente, de nossas coisas.

É assim que muito se tem perdido; muito se perderá.

Não abro! Protesto!