MEMÓRIA PETROPOLITANA PELOS GUIAS E PELA CARTOFILIA

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, associado titular, cadeira n.º 13, patrono Coronel Amaro Emílio da Veiga

“O movimento das cidades foi tema dos fotógrafos desde o início da história da fotografia. Contudo o surgimento do cartão-postal, em fins do século XIX, faz da cidade o seu tema principal. As novas edificações, prédios públicos e privados, jardins, praças, ruas e avenidas das “cidades modernas” foram temas privilegiados pelos fotógrafos em muitos países.” (Lôbo, Mauricio Nunes)

Há mais de década tenho procurado reavaliar os instrumentos de pesquisas objetivando reavaliar minhas investigações sobre a história local, processo que se acentuou com a leitura dos texto de Carl Schorske, (Schorske, 1979) e evoluiu ao final dos anos 90 com os extratos de Peter Burke (Burke,1985), sobre especificidades da história cultural.

Passei a coletar dados sobre curiosidades e materiais diversificados, principalmente sobre a imprensa e fotos diversas sobre eventos ocorridos na cidade os quais até mesmo a própria imprensa não noticiara.

Porém, o perfil de avaliação dos procedimentos de pesquisa segundo a metodologia da Nova História Cultural e sua aplicação no que tange ao contexto da história local tornou-se uma resposta aos novos desafios historiográficos aos quais meus ensaios se integravam, uma nova discussão do cultural presente em uma cidade que segundo Burke poderia “…sugerir ênfase em mentalidades, suposições e sentimentos”.

No campo das representações, uma de suas faces interpretativas, a NHC me atraiu para as formas como se apresentava Petrópolis para viajantes e/ou visitantes nas primeiras décadas do século XX.

Em 1983, no Arquivo Municipal, havia me detido para avaliar a infinidade de “guias” que representavam a cidade. Um verdadeiro modismo das primeiras décadas do século XX, onde cada guia esmerava-se em produzir o mais completo roteiro da cidade. Era o espírito da ‘belle époque’ que alimentava as representações e conduziam ao pleno imaginário. De apresentação gráfica soberba para a época, estes guias apresentavam uma cidade paradisíaca, de beleza estonteante na serra, descrevendo a cidade como o mais belo encrave europeu das serras brasileiras.

Os serviços apresentados nos guias eram os que fixavam o centro da cidade como uma vitrine, uma “mercadoria”, para viajantes extasiados na época. Não devemos negar que na realidade criava-se uma representação distorcida do que era verdadeiramente a própria cidade. No contexto geral, uma cidade operária, pobre, com uma população periférica astronômica para a época, se comparada ao do próprio sítio histórico da cidade.

O famoso guia de 1916, desenvolvia-se como um produto de marketing da Empresa ALEX na época, enaltecendo setores e serviços, pondo em relevo comerciantes e autoridades da cidade, hotéis e restaurantes, monumentos e ruas, políticos e famílias bem situadas no cenário social da comunidade, assim como anúncios das principais lojas de costumes.

Mas, quanto ao povo?

Este desaparecera do guia!

Na última década do século este modismo da ‘belle époque’ implantado na cidade pelos veranistas e por sua elite com hábitos franceses, conduziu inclusive a publicação de um guia especificamente para ciclistas. Extremamente sofisticado, este talvez fosse o único guia do país no gênero, pois se aproveitava do ambiente da cidade com distinção para o imaginário europeu. Incluía caracteristicamente distância entre determinadas regiões, condições das estradas e ruas, pontos para uma eventual parada, abastecimento de líquidos e fontes, paisagens exuberantes, etc.

Este mesmo imaginário, oferecido pelos guias em uma bandeja para viajantes, visitantes e veranistas, reproduziu-se ainda no decorrer do século e de forma bastante sedutora e peculiar, com a cartofilia.

Segundo Antonio Miranda (Miranda, 1985), o cartão-postal, possuiu sua origem na segunda metade do século XIX, possivelmente na Alemanha, objetivando simplificar a correspondência pelo Correio, o que passou a ser adotado oficialmente pelo Correio da Áustria no decorrer de 1869. Encarado como uma solução barata e eficaz para o envio de mensagens breves e rápidas e, por conseqüência, aumentar o tráfego postal, gerando um lucro maior para o serviço de correios local.

No Brasil, Miranda aponta que por decreto-lei em 1880, o Ministro Manuel Buarque de Macedo, oficializa o que já havia apontado a D. Pedro, como alterações para o uso dos bilhetes-postais, segundo o exemplo francês.

Após ser adotado como um procedimento oficial, vários países em fins do século XIX começaram a autorizar as indústrias particulares a imprimirem alternativamente cartões-postais para circularem pelos correios depois de apostos selos, o que justificava o pagamento, o comércio da operação.

O apelo visual e a diversidade de gravuras em preto e branco e/ou colorizada (um magenta) despertaram o interesse, mania, em guardar os cartões-postais que recordavam viagens, ou eram recebidos por amigos, além daqueles obtidos por compra ou troca. Tornou-se um hábito, ocupação, um passatempo de colecionador.

Em 1901, Castro Moura introduziu o cartão-postal no Brasil, aparecendo depois o cartão-postal ilustrado e um dos seus precursores foi o fotógrafo Marc Ferrez, que os mandou imprimir na Suíça.

Grandes fotógrafos brasileiros produziram cartões-postais. Muitos outros, ilustradores, tipógrafos, famosos ou obscuros, célebres ou anônimos, revelaram a arquitetura, a moda, os transportes, os estilos artísticos, o folclore, a religião e toda a cultura brasileira, a exemplo do que acontecia em todo o mundo.

Petrópolis tornou-se fonte de representação por postais no início do século XX, não os tradicionais preto-branco, mas os colorizados artesanalmente de autoria desconhecida.

Klumb, famoso fotografo da Casa Imperial, assim como Hees no inicio do século XX, não produziram postais, mas fotos destes sobre Petrópolis, foram transformadas em postais sem sua autorização, principalmente as imagens panorâmicas.

Assim como algumas fotos de Malta foram reproduzidas também como postais.

Podemos frisar que foi longa a relação de fotógrafos e editores espalhados pelo Brasil que se dedicaram à feitura de “bilhetes-postais”, como eram chamados à época, podendo-se destacar no Rio de Janeiro, além “Marc Ferrez & Filhos”, Augusto Malta, Horácio Garcia, J. Costa, M. Orosco, N. Viggiani, A. Ribeiro, C. Moura, Casa Staffa, Malta e Leon de Rennes.

Já dos anos 20 aos 60, foram inúmeros os editores e fotógrafos que registraram Petrópolis por suas lentes tendo por cenário, áreas tradicionais, ou algumas poucas reveladoras.

Entre os identificados encontramos presente, a Colombo (Aldo), Stepan, Conrado Wessel, D.K., L.B., P.E. e N. Nietzsch.

“Stepan” realizou uma série de fotos sobre pontos turísticos de Petrópolis que se superam em sua produção nos anos 30.

Colombo por sua vez retratou nos anos 40 o Hotel Quitandinha com todos os seus ambientes e ainda produziu algumas imagens turísticas de Petrópolis.

Existe uma possibilidade histórica de que R. Haack, ao fotografar a cidade nos anos 30 e 40, os reproduzisse e comercializasse como postais, ou mesmo produzisse fotos para editoras de cartão-postal, já que a ótica era à época um ambiente adequado para semelhante processo, pois importava material de qualidade para profissionais e suas fotos possuíam caracteristicamente a autoria e o nome da região fotografada. Neste caso, Petrópolis. Fato este que se comprova com as fotos da estrada Rio-Petrópolis.

A cidade realmente era um imaginário que seguia muito além do exposto nos postais, uma vitrine histórico-urbana.

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Burke, Peter. O Que É História Cultural?, 1985;

_________. Uma História Social do Conhecimento, 1983;

Miranda, Antonio. O Que é Cartofilia, Editora Thesaurus, Brasília, 1985;

Schorske, Carl E. Viena fin-de-sciècle: política e cultura, Cia das Letras/Ed. Unicamp, 1988

Lôbo, Mauricio Nunes, Os Cartões Postais Produzidos na Cidade de Santos (1901-1920), UNICAMP, 2002.