O SONHO DE UMA ‘CIDADE CINEMATOGRÁFICA’

Raul Ferreira da Silva Lopes, associado efetivo titular da cadeira n.º 32, patrono Oscar Weinschenck

Aconteceu em Petrópolis, mais especificamente em Corrêas.

Uma história interessante que estava fragmentada e com partes por esclarecer. No final ela nos levará à origem do Bairro do Loteamento do Castelo São Manoel.

No início do século XX – não encontramos registro de data – o penúltimo proprietário da Fazenda da Olaria, segundo Antonio Machado, foi Oscar de Teffé (irmão de Nair de Teffé) que a adquiriu de Alberto Guimarães Azevedo, pela importância de trinta e oito contos de réis. O nome de Fazenda da Olaria se deve ao fato de nela ter existido olaria de fabricação de telhas. A matéria prima, o barro, era extraído da própria fazenda.

A topografia era ondulada e a vegetação muito exuberante. O ambiente provocante fez com que o novo proprietário procurasse tornar o sítio mais atraente. A sede da fazenda, em estilo colonial, já estava em decadência e fez com que Oscar de Teffé a demolisse e, no mesmo lugar, construísse um novo domicílio: um Castelo todo em pedra e em estilo irlandês. A interessante construção era servida por extensa escadaria e tinha em sua fachada dois torreões. O elegante edifício conseguiu realizar um pouco da ilusão de um remoto passado medieval. Por informações verbais e por nossa avaliação, a data da construção deve ter ocorrido por volta de 1908 / 1909.

O Castelo foi construído numa área de 578m² (28 m x 23,50m), o que o coloca quase como uma miniatura dos castelos originais da Europa, com seus compartimentos e salões amplos.

Os ambientes são de pequenas dimensões, com exceção do quarto principal que é mais amplo e servido por um banheiro todo em mármore. É composto por um andar térreo e um subsolo habitável. A curiosidade está nos torreões, os quais Teffé reservou para onze quartos com banheiros, o que nos leva a crer que, além de seu domicílio propriamente dito, preocupou-se com digna hospedagem para ilustres personagens e amigos, convidados ou visitantes.

Esmerou-se na decoração, adquirindo móveis de estilos antigos e raros e com adornos de arte decorativa, bem como estatuárias de mármore. Do lado externo, mandou construir uma ampla piscina ornamentada por uma fonte luminosa, além de cuidar do paisagismo, aproveitando os bosques que circundavam o Castelo,

Ainda segundo Antonio Machado, Oscar de Teffé não usufruiu de seu “chic” ambiente domiciliar por muito tempo. O motivo, até hoje, é ignorado. Acabou arrendando a fazenda e o Castelo com todos os seus pertences, não se sabendo por quanto tempo e com que finalidade.

Não tendo mais projeto para sua propriedade, vendeu-a à Companhia Brasil Cinematográfica (CBC) por seiscentos contos de réis. o que imaginamos ter acontecido entre 1917 e 1919.

A Companhia tinha um projeto de ali instalar uma Hollywood brasileira, importando dos Estados Unidos os equipamentos mais modernos daquela época.

O titular e maior acionista da CBC era o espanhol Francisco Serrador

Para entendermos a motivação do arrojado projeto, o que nos interessa sobremaneira, precisamos conhecer o que se passava com a Companhia fora de Corrêas e como atuava Serrador como empresário.

Quando ele veio para o Brasil, criou uma empresa familiar, atuando no Rio de Janeiro e São Paulo com exibições e distribuição de filmes. Muito realizador, em pouco tempo já era conhecido como primeiro “trust” do cinema brasileiro, com o Circuito Serrador. Desejando ampliar seu campo de atividade, em 1911 criou a Companhia Cinematográfica Brasileira (CCB), atraindo muitos investidores banqueiros, médicos e industriais. Em 1913, anunciou um aumento de capital, conseguindo o seu objetivo, e já, nesse período, operava duas salas no Rio de Janeiro, oito em São Paulo, uma em Belo Horizonte, Juiz de Fora, Niterói, Curitiba, além de outras pequenas cidades.

Em 1917, aconteceu significativa mudança na CCB que passou a chamar-se Companhia Brasil Cinematográfica (a que comprou a Fazenda da Olaria) e já em 1919, a empresa havia se tornado o mais importante circuito exibidor e distribuidor brasileiro, operando cerca de 400 salas de exibição em território nacional.

Esta última data é muito importante para explicar o projeto de Corrêas. Com 400 salas sob seu domínio absoluto, só faltava a produção de filmes para aproveitar a potencialidade exibidora que tinha. Portanto, não havia nada de utopia nem aventura audaciosa.

Além desse detalhe, nessa mesma época estávamos no auge da produção de filmes, no cinema mudo. Aqui cabe fugirmos um pouco do nosso assunto específico, abrindo um parêntese para elucidar o motivo dessa euforia produtiva e, consequentemente, exibidora.

Em 1915, o americano D.W.Griffith, produziu o primeiro longa mudo, um épico, polêmico e racista: O nascimento de uma nação. Nessa produção, Griffith criou uma nova linguagem cinematográfica, eliminando a filmagem com câmera fixa, como feito até então, e introduziu a dinâmica dos diversos planos e “closes”, sistema que até hoje é usado..

Como se vê, era uma época, 1915 a 1919 (esta que nos interessa) que agitou a indústria cinematográfica no sistema ainda mudo.

Com toda essa euforia, qual foi o motivo por que fracassou o projeto de Corrêas?

Não foi por falta de visão de futuro. O que fracassou foi o desinteresse de investidores no projeto. Investidores ele conseguiu com facilidade para todos os seus empreendimentos.

Tal era sua convicção no sucesso que, em 1922, Serrador embarcou para Hollywood para estudar e compreender a produção, comercialização e indústria de cinema.

No entanto, somos forçados a reconhecer que, sendo um empresário pragmático, jamais iria viver de sonhos. Tudo leva a crer que em sua estadia nos Estados Unidos, 1922 a 1925, decidiu mudar o projeto de cinema para um novo empreendimento imobiliário. A Fazenda foi toda loteada para venda. Nasceu aí o Bairro do Loteamento do Castelo São Manoel.

Pelo apresentado até aqui, podemos concluir que 1) a compra da Fazenda só podia ter ocorrido após 1917, pois a CBC só foi criada nesse ano.Como ela atingiu o apogeu em 1919, esse período 1917 a 1919 é o provável período em que a compra aconteceu; 2) a decisão de mudança, como afirmamos acima, deve ter ocorrido entre 1922 e 1925.

Ainda sobre o loteamento, encontramos no Arquivo da Sala Petrópolis, da Biblioteca Municipal, uma carta-requerimento de 1927 dirigida ao então Prefeito Antonio Joaquim de Paula Buarque (10.08.1927 a 23.12.1929) pela CBC, nos seguintes termos:

“Exmo. Sr. Prefeito da Cidade de Petrópolis.

A Companhia Brasil Cinematográfica proprietária do Castelo e Fazenda São Manoel, em Corrêas, sito no 2º Distrito dessa Cidade, fez construir mais de 20 Bungallows de moradia para famílias, que vendeu a diversas pessoas residentes no Rio de Janeiro, como é do conhecimento de V.Exa., tendo bem assim dividido seu terreno aludido em lotes que está sendo vendido gradativamente. Tendo a Municipalidade de Petrópolis, do qual V.Exa. é digno chefe executivo, declarado aquellas terras compreendidas na zona urbana, sujeitas, portanto, a imposto predial e considerando que a construção e venda das casas e terrenos tem sido um motivo de desenvolvimento da localidade onde se acham situadas e dando renda para o Estado e Município, sendo justo e eqüitativo que a Prefeitura de Petrópolis beneficiasse as ruas principais formadas pelas recentes construções com a iluminação publica de que ella necessita, tanto mais que a resolução de os declarar zona urbana os capacita ao merecimento a pretensão que aqui deixa expendida.

Certa de que V.Exa., no alto descortino que tem dos negócios da governança municipal, fará a justiça de a atender, desde já aqui deixa registrado os seus agradecimentos.

Rio de Janeiro, 10 de Outubro de 1927. Assinatura ilegível de diretor da CBC.”

Pela carta vê-se que o loteamento e as vendas caminhavam muito bem e observamos que a CBC ainda era proprietária do Castelo. A compra deste por terceiros só deve ter acontecido após 1927, provavelmente na década de trinta, pois como veremos adiante, a CBC atuou em Corrêas até 1940. Outra curiosidade é a denominação de Fazenda São Manoel, novo nome que deve ter sido dado desde a compra.

Consultando o Cadastro da PMP (Acade-Secretaria de Planejamento) sobre o Castelo e sua construção e ainda sobre o Loteamento e sua ou suas plantas originais, nada encontramos. Só havia uma ficha, talvez a última referente a CBC, registrando a venda por ela de um lote de nº 130, com 1770 m², cuja escritura foi lavrada no 18º Ofício do Rio de Janeiro, em 30.03.1940. Depois dessa data nada mais consta, a não ser a entrada de uma planta de novo arruamento apresentada pela sucessora: Organização Territorial S.A. (OSA). Há uma seqüência de muitas plantas, todas da OSA, seguindo-se muitas outras plantas pelas décadas subseqüentes.

Petrópolis perdeu a oportunidade de ser a pioneira na indústria cinematográfica, mas ganhou um Bairro que na parte plana do entorno do Castelo centenário está toda ocupada com residências de bom e alto padrão.

Como guardião desta história, está “altaneiro” o Castelo de propriedade privada, sem acesso ao público. Segundo informações de quem o conhece internamente, está muito bem decorado dentro do clima de antiguidade e bem preservado. Os jardins estão cuidados e sua arquitetura de pedra encoberta com eras que, para uns, dá impressão de abandono, para outros, um “charme” de antiguidade. Enfim, gosto não se discute…

Referências:
1) Antonio Machado, publicação da Comissão do Centenário de Petrópolis, PMP, 1941, vol. IV, págs. 84 e 85
2) Enciclopédia do Cinema brasileiro, pág. 507…