RESGATES PETROPOLITANOS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, associado emérito, ex-associado titular, cadeira n.º 37, patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Quem passa pela antiga Avenida 1º de Março, hoje Roberto Silveira, não pode ficar alheio ao imenso edifício que aglutina elementos neoclássicos e da chamada arquitetura do ferro, onde se abriga desde as últimas décadas do século XIX a Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo, com relevantíssimos serviços prestados à sociedade petropolitana, especialmente aos menos contemplados pela fortuna material.

Mas, se o prédio e a obra social não escapam aos sentidos e à sensibilidade dos que transitam por aquele logradouro, talvez a maioria destes e de tantos outros moradores e frequentadores desta urbe não saiba que por detrás de tudo aquilo estivesse a figura dinâmica, corajosa e humanitária de um sacerdote franzino e doente, que morrera antes de ver completamente realizado o seu sonho.

Refiro-me ao Padre Siqueira, nascido em Jacareí, no Vale do Paraíba paulista a 10 de julho de 1837 do casal Miguel Nunes de Siqueira e Claudina Maria de Andrade.

Fora ordenado em 1863 e ao iniciar-se a Guerra da Tríplice Aliança, partiu para o teatro da luta, onde tornou-se capelão de 7º Batalhão de Voluntários da Pátria.

Sua débil constituição física não lhe permitira ficar por muito tempo no desempenho de suas funções religiosas. Doente, já atacado pela tuberculose, voltou à terra natal, vindo em seguida viver na Corte, sendo ai acolhido por D. Ana Leocádia da Cunha Moreira Guimarães, que vivia gostosamente em sua chácara nas Laranjeiras.

Essas preciosas informações são de Antonio Machado, que nos anos trinta, sob o pseudônimo de João Fernandes, tantos serviços prestou à historiografia petropolitana, publicando o resultado de suas pesquisas nesta “Tribuna de Petrópolis”.

D. Leocádia era sobrinha do Padre Corrêa, filha de D. Archangela, tendo herdado da mãe a altivez, a energia e a alma caridosa e fidalga. Consta ter sido ela a grande animadora do Padre Siqueira no rumo de execução do projeto que se tornaria realidade em Petrópolis, com o nome de Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo. Preocupada coma saúde do sacerdote D. Ana Leocádia ofereceu a este, a Fazenda da Olaria, mais tarde residência oficial do Major, depois Coronel José Cândido Monteiro de Barros.

Numa época em que a tuberculose era tratada com clima, cama e comida, a Olaria, hoje Castelo de São Manoel, era o local próprio para prolongar a vida do padre, já que a cura da doença era praticamente impossível.

Embora alquebrado o Padre Siqueira tomou a peito o seu próprio projeto da Escola Doméstica, tendo encontrado na altura dois excelentes colaboradores: Francisco Castilho Nunes e Manoel José Moreira Guimarães, secretário da Câmara Municipal de Petrópolis, que engajado na obra filantrópica, para ela carreou muitos donativos. O próspero cafeicultor José de Souza Breves, latifundiário na região do extinto Município de São João do Príncipe, ou São João Marcos, deixou em testamento polpudo legado à obra do Padre Siqueira.

Escreveu Antonio Machado falando das reais intenções do sacerdote: “Ele tinha o senso das realidades. Não desejava imprimir à sua casa a simples feição de recolhimento destinado a não deixar à míngua as meninas que lhe batessem à porta, compreendia a caridade sob mais elevada forma, queria educar as desvalidas para uma profissão e para o lar, habilitando-as com o preparo bastante para que no futuro pudessem viver honestamente de suas próprias aptidões, preparando-as para professoras e as menos inteligentes para criadas de servir, criando assim no Brasil o ensino doméstico e profissional feminino.”

Em julho de 1868 o Padre Siqueira publicou o programa de sua obra, que foi inaugurada em 1871 com o caráter de casa pia e de estabelecimento de ensino.

O Padre João Francisco de Siqueira Andrade, corroído pela insidiosa “moléstia do século”, pressentindo que não tardaria a deixar este mundo, testou aos 14 de novembro de 1880. Lavrou o testamento Ricardo Narciso da Fonseca, que já mereceu aqui um resgate. O testador voltara-se exclusivamente para a sua obra, rogando ao seu testamenteiro que a não deixasse morrer, de modo que ela pudesse por longos anos produzir os efeitos por ele sonhados. Era testamento de um despojado, de uma alma condoreira, desapegada dos bens materiais, com os olhos fitos na caridade e no sucesso e bem-estar dos menos favorecidos.

E o Padre Siqueira morreu aos 44 anos, no início de 1881.